Título: Uma ortografia sem acentos e ç
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2009, Espaço Aberto, p. A2

O Brasil poderá adotar desde hoje as regras do novo acordo ortográfico firmado com mais sete países onde o Português é língua oficial. Consultei-as para escrever este artigo e soube que seu objetivo é homogeneizar regras ortográficas entre esses países e facilitar o aprendizado do Português. É um caso de diplomacia ortográfica com pretensões linguísticas globalizantes.

O acordo é tímido no alcance e, até onde cheguei, criticável em pelo menos duas de suas regras, que mencionarei abaixo. Ao refletir sobre o assunto, tive essa ideia de uma ortografia sem acentos e ç. Não tenho a pretensão de ter uma proposta acabada, mas apenas o propósito de oferecê-la para discussão, até porque não sou um especialista no assunto nem gastei muito tempo com ele. Ela tem como base minha experiência de professor, de economista e do uso intensivo de máquinas de escrever quando existiam e, depois, dos teclados.

Escrevendo assim ou à mão, sempre achei um retrocesso a interrupção da escrita para acrescentar os acentos e a cedilha, que dão um toque ¿peruesco¿ à ortografia. Têm também um quê de ridículos. A cedilha lembra um chuca-chuca de cabeça para baixo; o til, uma sobrancelha bem marcada; e o chapéu é chinês, aqui mais parecendo um telhado. O grave e o agudo lembram palitos espetados aqui e ali.

Seriam quatro os objetivos: 1) Facilitar muito mais o aprendizado do Português, cuja complexidade para brasileiros e outros é agravada por adornos como esses; 2) tornar mais rápida a escrita, tanto à mão como em teclados, conforme explicarei mais adiante; 3) navegar sem problemas por teclados onde não há acentos nem ç, como os dos celulares e de parte dos computadores, bem como superar problemas na denominação de sites, como paodeacucar e itau, além de outros com cacofonia que prefiro não exemplificar; 4) tornar a ortografia o mais próxima possível da fonética que deve grafar.

Note-se que o último objetivo foi violado pelas regras do novo acordo ortográfico. Por exemplo, o som que se lê com a grafia consequencia é ¿consekência¿. Dado o mesmo objetivo, também não caberia a mesma grafia dada pelo acordo a ¿eia¿ em ideia e aldeia, pois os sons são diferentes em cada caso. A proposta também procura superar esses problemas, pois deixaria de lado essas novas regras.

Pensava que o segundo objetivo fosse original. Mas encontrei em Monteiro Lobato, conhecido adversário dos acentos, uma visão também próxima, quando disse que ¿o tempo que os franceses gastaram em acentuar as palavras foi tempo perdido - que o Inglês aproveitou para empolgar o mundo¿. Ele, contudo, vai mais longe. Depois de ressaltar que essa língua ¿não tem um só acento¿, prossegue afirmando que ¿isto teve sua parte na vitória dos povos de língua inglesa no mundo, do mesmo modo que a excessiva acentuação da língua francesa foi parte de vulto na decadência e queda final da França¿ (*).

O conjunto das regras seria o seguinte, sendo que duas delas têm como traço comum a repetição de vogais e de consoantes: 1) ss substituiria o ç, como em tassa; 2) o acento agudo seria trocado por um h após a vogal a que se aplica, como em serah, coisa que aprendi quando redigia telegramas e mensagens de telex; 3) o circunflexo, pela repetição das vogais a que se refere (e, o), como em vocee e vovoo; 4) para não interferir com outros casos em que tais vogais são repetidas, neles seria adotada a hifenização, como em co-optar e re-escrever; 5) ü seria trocado por w, que passou a fazer parte do alfabeto, como em quinqwenio; 6) imitando Caminha, a crase seria escrita na forma de aa; 7) ão passaria a ser grafado como aum (auns no plural), ãe como aen (aens no plural), e õe como oen (oens no plural, se substantivo; oem se verbo); ã passaria a an (ans, no plural). Exemplos: paum, paens, maen, maens, poen, assoens, poem, massan, massans.

Daqui em diante, inclusive nesta frase, passo a escrever com a ortografia proposta para exemplificar um pouco mais como seria utilizada. Note-se que na frase anterior, nesta e noutras das seguintes a ortografia atual se manteria. Nas demais, verifica-se que as alterassoens propostas estaum longe de radicais.

Passando aa economia de tempo, na escrita manual as regras ortograhficas em vigor interrompem o movimento contihnuo da maum para os ornamentos envolvidos nos acentos e no c cedilhado, levando a uma perda de tempo ao escrever. Com as regras propostas, toda palavra seria escrita de forma contihnua. Nos teclados adaptados ao Portuguees, a ineficieencia se manifesta pelo recurso a duas teclas a mais no caso do trema, do acento grave e do circunflexo (a de maiuhsculas e a do acento) para obter o resultado que pela proposta seria alcançado com recurso apenas a mais uma tecla. No caso do til e do acento agudo, há um empate, pois na forma atual e na proposta seriam usadas duas teclas. Em qualquer caso, a forma proposta evita o deslocamento da mão para as laterais dos teclados onde estaum os acentos e o c cedilhado, tambehm poupando tempo.

Ora, o tempo eh recurso sabidamente escasso. Eh dinheiro, disse Benjamin Franklin. A economia de tempo compensaria em muito o pequeno gasto adicional de papel que a ortografia proposta exigiria. Entre poupar tempo e papel, prefiro a primeira alternativa. Que me perdoem os ambientalistas mais radicais.

Acredito que a proposta se sustenta na sua lohgica, mas fico aa disposissaum para ser argwido quanto aos seus mehritos e dificuldades. Lamento que o ano comece com uma limitada passagem ortograhfica, mas desejo a todos que ele seja feliz sob outros aspectos, em particular os econoomicos.

(*) www.ige.unicamp.br/~lrdg/exploracao/notaortografica.htm

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda