Título: Dez anos de câmbio flutuante
Autor: Torós, Mario
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2009, Espaço Aberto, p. A2

Ontem completamos dez anos da implantação do regime de câmbio flutuante no Brasil, um momento oportuno para refletir sobre o tema. O início da flutuação deu-se de forma peculiar: ao contrário dos diversos planos econômicos, o câmbio flutuante não tem um pai, algo incomum em nossa cultura. O pai do câmbio flutuante é o mercado, que nos forçou a adotar o sistema em 18 de janeiro de 1999. Por essa via começamos a construir um dos mais firmes pilares da nossa política macroeconômica, que serviu como base para a adoção posterior do regime de metas de inflação.

O regime de câmbio flutuante tem um objetivo importante. Na presença de choques exógenos, positivos ou negativos, uma parte importante do ajuste se dá pelo nível da taxa de câmbio nominal, fazendo com que o impacto sobre o produto seja menor, assegurando menos volatilidade e maior previsibilidade aos agentes econômicos. Nesse sentido, os números falam por si. A volatilidade do produto trimestral do Brasil caiu quase pela metade quando comparamos o período de 1996 a 1999 com o de 2003 a 2008.

Adicionalmente, e não menos importante, o câmbio flutuante permite que o balanço de pagamentos se ajuste mais rapidamente às novas condições econômicas vigentes, o que, conjugado à política de acumulação de reservas, impede que voltemos a sofrer crises de balanço de pagamentos sempre que nos defrontarmos com choques adversos.

A despeito dos resultados que a economia brasileira tem apresentado, o câmbio flutuante está longe de ser uma unanimidade. As críticas variam desde a uma suposta ¿falta de clareza da política cambial¿ até a forma de atuação do Banco Central, notadamente em períodos turbulentos como os que agora vivemos. Em determinados momentos a moeda está ¿apreciada demais¿ e em outros, ¿depreciada em excesso¿. Por vezes, a crítica é a de que falta ¿adicionar volatilidade¿ e em outras, a de que a volatilidade do real é ¿a maior do mundo¿ - a mais recente aberração, que não resiste a nenhuma análise de série temporal mais apurada.

O ponto fundamental é que existe parcela, não desprezível, do pensamento econômico no País que acredita que a taxa de câmbio é importante demais para ser definida pelos mercados. Para estes, os economistas oficiais, ao fixarem a taxa de câmbio nominal, teriam controle maior sobre as principais variáveis macroeconômicas - inflação e atividade. Como a taxa de câmbio real e os preços relativos entre os bens comercializáveis e os não-comercializáveis não estão sob o controle de nossos dedicados economistas, os resultados diante de choques externos adversos seriam sempre mais do mesmo: recorrentes crises no balanço de pagamentos.

Reconhecer, todavia, a primazia dos agentes privados na determinação da taxa de câmbio não implica completa ausência de atuação no mercado de divisas. De fato, o Banco Central reserva-se o direito de atuar - e o tem feito - com o objetivo de prover liquidez visando a contribuir para o funcionamento do mercado, e não substituí-lo, sem impor tetos ou pisos à taxa de câmbio. Nos últimos anos, a atuação da autoridade monetária tem sido norteada por três princípios básicos:

Acumular reservas;

não adicionar volatilidade ou evitar que a volatilidade excessiva dificulte a formação de preços;

e atuar sempre que constatado descompasso entre o fluxo de oferta e demanda de moeda estrangeira.

Deixar o mercado funcionar não significa, portanto, abandoná-lo a oscilações que venham a ser disfuncionais, mas sim evitar que movimentos pontuais e artificiais, sejam em fluxos primários ou mesmo em derivativos, prejudiquem a correta formação de preços. Isso não implica, por outro lado, que o Banco Central deva simplesmente ¿retirar volatilidade do mercado¿. A volatilidade é fator inerente especialmente em momentos como o atual. Com efeito, na recente crise, países que tentaram reduzir a volatilidade - e a desvalorização - têm apresentado redução mais acelerada de reservas internacionais sem demonstrar ganhos expressivos em termos de performance de suas respectivas moedas.

No Brasil, os instrumentos utilizados pelo Banco Central ao longo destes anos têm sido atuações no mercado de câmbio à vista e, em menor volume, nos derivativos cambiais, pautando-se a escolha pela natureza dos fluxos observados. Recentemente, com o impacto da crise internacional sobre as linhas de crédito externo, o Banco Central passou a atuar de forma mais intensa, provendo liquidez ao sistema financeiro. Esta atuação vem sendo feita tanto em derivativos como em câmbio à vista por meio de vendas diretas e redesenhando os leilões de liquidez direcionados aos mercados interbancários, ao comércio exterior e à dívida externa.

No período de um ano encerrado em 14 de janeiro, o real desvalorizou-se cerca de 27%, movimento similar ao das moedas da Noruega e da Austrália, inferior ao de países como Nova Zelândia, Coreia do Sul, África do Sul e Turquia e bastante próximo ao da Rússia, do México, da Inglaterra e da Suécia. A tese do real como ¿a pior moeda do mundo¿ não resiste a uma janela de análise mais ampla.

Durante estes dez anos o nosso regime de taxas flutuantes tem sido testado. O País passou e vem passando por severas crises, ora internas, ora externas, e a economia mostra, com o passar do tempo, que aumenta as suas resistências. Os nossos pilares macroeconômicos - câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal - podem não resolver todos os problemas econômicos do País, mas certamente são um grande exemplo de nossa evolução institucional nesta última década.

Mario Torós é diretor de Política Monetária do Banco Central