Título: Ninguém sabe número de grampos
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2009, Nacional, p. A9

Chefe do Ministério Público de São Paulo decidiu criar cadastro com dados confiáveis sobre linhas monitoradas

Fausto Macedo

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"Ninguém sabe ao certo quantos telefones estão grampeados", declarou o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira.

Chefe do Ministério Público do Estado - o maior do País, com 2 mil promotores -, Grella decidiu criar um cadastro com dados atualizados e confiáveis sobre linhas vigiadas.

Por meio de ato que publicou há dez dias ele instalou um sistema que vai armazenar informações relativas à origem e identificação dos pedidos, quem são os juízes que autorizam a escuta e quem pede sua renovação.

O banco de dados, que vai operar junto ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais, atende recomendação expressa do Conselho Nacional do Ministério Público para adoção de "mecanismos adequados" de fiscalização sobre a quebra do sigilo de comunicações. Pesou na decisão do procurador "a necessidade de concentração de esforços para prevenção de eventuais abusos".

Ele alertou sobre "a direta associação aos direitos fundamentais, à proteção da dignidade da pessoa humana e à proteção da intimidade e privacidade na produção dessa prova".

Grella aponta "episódios lamentáveis", casos em que pedidos de interceptação negados em uma comarca migraram para outra unidade judicial onde foram acatados. O procurador afirmou ao Estado que os promotores não terão acesso ao conteúdo dos grampos.

Quantas linhas telefônicas estão sob vigilância?

Isso é muito polêmico, uns falam em 34 mil grampos, outros em 400 mil. Mas ninguém sabe ao certo, ninguém sabe qual é o número de interceptações autorizadas judicialmente. E a que se deve isso? O problema é que não se sabe se nesses números estão computadas as renovações de pedidos, as localizações de Estações Rádio Base. A interceptação de um celular abrange uma série de aspectos técnicos das companhias telefônicas que poderão auxiliar nesse mapeamento para que se possa ter a certeza do número real de grampos.

Qual é o objetivo do cadastro?

A meta é fornecer elementos e meios para que os promotores de Justiça possam fiscalizar as medidas relativas à quebra de sigilo telefônico. Da forma como vem sendo executada, a escuta é sem dúvida um ponto de transtorno e preocupação para todos os segmentos, tanto da esfera privada, porque representa invasão na atividade e na privacidade das pessoas, como no setor público. O objetivo é dispormos de mecanismo mínimo de controle a dar elementos para que os promotores possam apreciar com segurança pedidos que chegam à Justiça.

O sr. constatou abusos?

Temos assistido episódios lamentáveis. É isso que nos moveu a criar o cadastro. Em meados de 2008 tínhamos um esboço e o submetemos ao Conselho Nacional de Procuradores-Gerais. Recentemente, o Conselho Nacional do Minitério Público, órgão de controle, expediu recomendação a todos os MPs para que criassem mecanismos de fiscalização sobre pedidos de interceptação. Há um caso recente em que os promotores descobriram uma indústria do grampo, esquema criminoso que envolvia policiais civis, funcionários de operadoras e de entidades financeiras e bancárias.

O que muda com o cadastro?

Promotores que trabalham no controle da atividade policial têm notícias de situações em que pedidos de interceptação negados por um determinado juiz foram em parte reproduzidos em outra comarca. Esse deslocamento só ocorre porque não existe um banco de dados ou um sistema de registro que unifique ou congregue todos os dados relativos a cada um dos pedidos feitos no Estado. A falta de um sistema de controle impede o promotor de identificar se essa ou aquela linha telefônica, fixa ou móvel, de determinada pessoa, já foi objeto de algum pedido negado ou não em outro local.

Os promotores terão acesso ao conteúdo dos grampos?

Em nenhuma hipótese. O sistema não vai invadir o conteúdo das interceptações, mas simplesmente dos dados que envolvem o pedido de quebra de sigilo, qual a autoridade que deferiu, quem é o juiz, a vara. Vai ser possível ao promotor saber quantos grampos existem, quais as comarcas e autoridades requisitantes. Todos os pedidos, deferidos ou não, serão comunicados.

Teme resistência?

Espero que não. O cadastro não vai interferir na função do promotor que tem independência. É um instrumento de apoio à atividade do MP, que tem como fundamento maior o próprio controle externo da atividade policial. Quem é: Fernando Grella Vieira Procurador-geral de Justiça de São Paulo desde 2008

Integra o Ministério Público desde 1984

Atuou como promotor de Justiça nas áreas cível e criminal