Título: Defesa vê trunfo em carta de ex-presidente italiano
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2009, Nacional, p. A11

Francesco Cossiga, apontado por Greenhalgh como criador da lei de exceção, afirma em texto de 19 linhas que Battisti era subversivo

Fausto Macedo

São muitas as armas da defesa - entre elas uma carta de 19 linhas subscrita por Francesco Cossiga, ex-presidente italiano - para provar que Cesare Battisti foi um ativista político de esquerda que optou pela luta armada. E que ele tem motivos de sobra para temer perseguição e pela própria vida se o Brasil decretar sua extradição para a Itália, onde está condenado à prisão perpétua.

"Vocês todos, de esquerda e de direita, eram ?revolucionários impotentes?, em particular vocês subversivos de esquerda que acreditavam com atos de terrorismo, não certamente de poder ?fazer?, mas pelo menos escorvar a revolução, conforme os ensinamentos de Lenin", diz o texto de Cossiga, datado de 6 de fevereiro de 2008.

Cossiga não é apenas um ex-presidente, um ex-ministro do Interior ou senador vitalício italiano, argumenta o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que defende Battisti. "Cossiga foi a autoridade que nos anos de chumbo criou a lei de exceção, jogou pesado, endureceu brutalmente a repressão. É esse homem quem manda a carta atestando que os crimes atribuídos a Battisti tiveram natureza essencialmente política."

"O senhor lembrará que eu, nos anos 70 e nos anos 80, fui um duro opositor institucional da subversão de esquerda e eversão de direita, que de ministro da Administração Interna e de primeiro-ministro usou os ?meios fortes?", escreveu Cossiga. "Os crimes que a subversão de esquerda e a eversão de direita cumpriram são certamente crimes, mas não certamente crimes comuns, porém crimes políticos."

No parágrafo final da carta que é trunfo de Battisti, o ex-presidente faz uma concessão. "Deste meu escrito pode fazer o uso que deseja mesmo em sede judiciária. Esteja bem!"

Cesare Battisti recebeu a correspondência de Francesco Cossiga na prisão. Ele havia sido detido no Rio 11 meses antes, em março de 2007.

Greenhalgh afirma que o ativista não admite o assassinato de Antonio Santoro, Lino Sabbadin, Pierluigi Torregiani e Andrea Campagna - crimes ocorridos entre junho de 1978 e abril de 1979, em Udine, Mestre e Milão. "Battisti é categórico: ele admite que foi militante, que pegou em armas, roubou carros e falsificou documentos, mas nunca matou. Não teve direito à defesa e foi condenado à revelia."

FANTASIOSO

O advogado sustenta que não há uma única testemunha ocular que incrimine Battisti. "O que há contra ele é o depoimento de Pietro Mutti que fez delação premiada, mas que a própria Justiça italiana reconhece que é um sujeito fantasioso."

No recurso ao ministro Tarso Genro, da Justiça, contra a decisão do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) que, por 3 votos a 2, negou o pedido de asilo a Battisti, o advogado destaca "pressão italiana desmedida".

O recurso é subscrito também pelos advogados Suzana Angélica Paim Figuerêdo e Fabio Jorge Antinoro. "A pressão não é normal pois refoge ao protocolo que um presidente da República envie carta pessoal requerendo uma extradição."

O relatório do Conare, no entanto, apresenta outra versão sobre a oportunidade de Battisti se defender. "No que tange à questão que envolve a ampla defesa e o devido processo legal, verifica-se que a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que o solicitante exerceu o seu direito de defesa e estava informado sobre a acusação contra ele. Ademais, foi julgado por Tribunais Ordinários."

Greenhalgh afirma que a Itália não juntou ao processo de extradição o inteiro teor da sentença. "Mesmo assim, das partes do processo que foram anexadas, denota-se o caráter político das imputações", ressalta.

O advogado também afirma: "Não fossem apenas as decisões italianas a atestarem o caráter político das imputações e condenações foi demonstrado que tanto é verdadeira tal circunstância que os familiares dos mortos, cujos delitos são ilegalmente atribuídos a Battisti, recebem hoje pensões em razão de haverem sido vítimas de crimes políticos."