Título: O governo e as reservas do pré-sal
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2009, Espaço Aberto, p. A2

A Comissão Interministerial, incumbida de propor modelos alternativos para regular a exploração e a produção de petróleo a partir das reservas do pré-sal, adiou várias vezes o anúncio de sua decisão.

A exploração econômica dos campos petrolíferos descobertos na costa de Santos vai depender de alguns pressupostos que tornarão ou não viável seu aproveitamento imediato, tais como, entre outros: investimentos em nível adequado, efetiva comprovação das reservas em vista do alto risco, produtividade dos campos, avanços tecnológicos significativos, estabilidade do marco regulatório, preço internacional remunerativo do petróleo e capacidade gerencial.

Atendidos esses pressupostos, o atual governo e, sobretudo, o próximo governo, assim como o setor privado, deverão enfrentar muitos e complexos desafios e responder a uma pergunta que deve ser colocada desde logo: qual é o papel que o Brasil pretende assumir se e quando for adquirida a autossuficiência do petróleo?

Um inventário esquemático dos principais desafios que se colocam para o governo mostra a magnitude das questões a serem equacionadas:

Estratégica: qual a prioridade na exploração das reservas - petróleo ou gás (sobretudo à luz das dificuldades com o fornecimento da Bolívia);

Econômica:

1) A escala da economia será substancialmente ampliada pela receita obtida com a exploração do petróleo pré-sal: como lidar com o superávit comercial no setor de petróleo (o aumento da exportação repercutirá sobre o volume das reservas e a taxa de câmbio, os recursos externos influirão nos investimentos da Petrobrás e de outras empresas) e como evitar a chamada doença holandesa (o aumento das receitas com a exportação de produtos primários valoriza a moeda e pode levar à desindustrialização do setor manufatureiro);

2) qual o uso e a distribuição dessa riqueza (eventual reajuste dos valores pagos pelas petroleiras a título de contribuição e de Imposto de Renda, reformulação da distribuição dos royalties da produção, entre outros);

3) adoção de mecanismos para antecipar recursos públicos que podem ser gerados pela exploração das reservas (securitização do pré-sal) e criação de um fundo soberano.

Marco institucional:

1) A manutenção do marco institucional e regulatório atual (regime de concessão) ou a modificação do modelo de exploração dos campos com a adoção do modelo de partilha da produção e a aprovação de nova lei do petróleo, com a modificação da Lei nº 9.478;

2) como estimular a criação de um mercado futuro de petróleo na Bovespa/BM&F.

Tecnológica:

1) A grande profundidade das reservas e a composição geológica das áreas colocam um dos maiores desafios tecnológicos para as empresas petrolíferas;

2) definição de uma política industrial - com ênfase na tecnologia e na pesquisa de novos materiais - para apoiar os esforços do setor privado a fim de produzir localmente os equipamentos e serviços demandados;

Política externa:

1) Como lidar com o impacto sobre a política externa (relações com os EUA, que poderão redirecionar suas importações e concentrar nos países do continente (Canadá, México e Brasil). Em 15 anos, os EUA pretendem reduzir significativamente sua dependência do petróleo do Oriente Médio. Qual será o impacto sobre a região?

2) ingressar ou não na Opep.

Muitas vozes de cautela vindas de especialistas e instituições nacionais (Iedi, BNDES) e internacionais (Agencia Internacional de Energia e Opep) e de empresas nacionais e estrangeiras foram ouvidas nos últimos meses.

Aparentemente, a tendência agora é manter o regime de concessões, com aumento de impostos e a criação de uma nova estatal para gerenciar os interesses da União no pré-sal. Os campos não licitados nessa área seriam transferidos à Petrobrás com vistas à sua capitalização. A mudança de regime enfraqueceria a Petrobrás e seria um equívoco.

A grave crise econômica internacional - cuja perspectiva é durar ainda um bom tempo - já está tendo impacto sobre a capacidade da Petrobrás, do BNDES e de empresas privadas captarem recursos no exterior. Enquanto durar a recessão nos países desenvolvidos, as restrições ao financiamento e a tendência de queda do preço do petróleo (hoje abaixo dos US$ 40) devem dificultar o programa de investimentos da Petrobrás na exploração dos campos no pré-sal, para o aumento de sua produção e para a política de nacionalização dos equipamentos e o consequente fortalecimento do setor industrial brasileiro na área petrolífera. No seu plano estratégico de investimento, a Petrobrás reservou US$ 28 bilhões até 2013 para a exploração do pré-sal. A China promete investimentos de US$ 10 bilhões para a exploração, em troca da garantia de suprimento. As grandes companhias de petróleo, como a Exxon, associadas à Petrobrás, também deverão fazer significativos aportes financeiros.

A politização e a ideologização do debate iniciado pelo governo podem desviar a atenção dos debates sobre as decisões estratégicas e operacionais mais importantes. O perigo reside exatamente nesse fato, pois algumas medidas poderão ser implementadas com base em premissas não lastreadas por estudos técnicos.

As decisões estratégicas para a exploração do pré-sal devem ser tomadas depois de um amplo debate com a sociedade brasileira e com o Congresso Nacional. O processo de exploração de petróleo da camada pré-sal deve ser feito sem açodamento, para que o País possa aproveitar da melhor maneira possível o potencial impacto positivo que os investimentos no setor podem gerar para a economia como um todo.

O interesse nacional deve estar acima de considerações político-partidárias conjunturais.

Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp