Título: A recuperação não está na tela do radar
Autor: Rehder, Marcelo; Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2009, Economia, p. B5

José Julio Senna: ex-diretor do Banco Central e sócio da MCM Consultores; para economista , Copom deve cortar a taxa Selic[br]em mais de 1 ponto porcentual, mas isso não é motivo de comemoração.

A crise está se revelando mais grave do que se previa, e a queda trimestral de 3,6% do PIB no fim de 2008 é mais uma evidência disso. Na análise do economista José Júlio Senna, sócio da MCM Consultores e ex-diretor do Banco Central, o primeiro trimestre de 2009 também terá queda da atividade econômica. O recuo por dois trimestres seguidos tecnicamente indica recessão. Se isso se confirmar, o PIB deste ano provavelmente será negativo.

Diante do quadro, ele considera possível que o Comitê de Política Monetária (Copom) corte a taxa básica de juros, a Selic, em mais de 1 ponto porcentual. Porém, Senna não vê motivo para comemorar. Ele vê risco, até mesmo, de deflação mundial. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia essa queda de 3,6% do PIB no quarto trimestre em relação ao terceiro?

Todos os números revelados recentemente têm vindo bem pior do que o imaginado, seja na produção industrial na Inglaterra, no índice de confiança nos Estados Unidos, no comportamento de preços na China, em todo lugar. O PIB do Brasil não fugiu a essa regra.

A crise está se mostrando mais grave do que se previa, então?

Isso mesmo. A encrenca é tão grande que, mundo afora, não está sendo possível prever o ritmo de deterioração da economia, tão grave é o problema. Não está dando para dimensionar. Não há uma única estatística macroeconômica relevante que sinalize algo passível de ser interpretado como um sinal de que daqui para frente a tendência a piorar será interrompida. Todos os dados só fazem acentuar o agravamento da situação. E no mundo todo.

O que podemos esperar do PIB para este ano?

Tínhamos a expectativa de aumento em torno de 1% ou 1,5%, algo nessa faixa, em 2009. Mas é fácil perceber a enorme dificuldade que teremos de colher um resultado positivo do PIB.

O sr. acredita que estamos em recessão técnica, já que teremos dois trimestres seguidos de queda?

Será muito difícil escapar de outro número negativo neste primeiro trimestre. E, sendo isso verdade para o ano como um todo, existe uma possibilidade elevada de a gente andar para trás, ter um PIB negativo. Perdeu o sentido fazer distinção muito clara entre a economia mundial e o que se passa aqui dentro. O aspecto principal dessa crise é a sua universalização.

Como esse resultado do PIB, especialmente do quarto trimestre, deve influir na reunião do Copom, que decide hoje a taxa Selic?

Os integrantes do Copom podem se sentir estimulados a fazer um ajuste mais significativo que o de 100 pontos (equivalentes a 1 ponto porcentual). A probabilidade de ser mais de 100 pontos é muito grande. Eu faria um corte de 125 ou 150 (1,25 ou 1,5 ponto porcentual).

E os juros, devem prosseguir caindo nas próximas reuniões?

Fica difícil vislumbrar até onde a taxa de juros vai cair. Os juros devem cair muito. É óbvio que não dá para comemorar o juro real muito baixo no Brasil porque as causas para isso são as piores possíveis: um quadro gravíssimo e universal de crise. A recuperação não está na tela do radar.