Título: O PIB do 4º trimestre e o impacto da crise mundial
Autor: Carvalho, Daniele
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2009, Economia, p. B6

O A queda do PIB de 3,6% no último trimestre do ano passado representou reversão abrupta da trajetória de crescimento da economia brasileira. Por quase três anos, desde o fim de 2005, a economia cresceu a uma média anualizada de 5,6% ao ano, ritmo que acelerou a partir do fim de 2007, para quase 7% ao ano.

Apesar da consolidação dos avanços na política macroeconômica desse período, a magnitude do impacto da crise internacional sobre o desempenho econômico não deixa dúvidas de que boa parte daquele crescimento acelerado se deveu ao ambiente externo favorável. Ampliação dos mercados, melhora dos termos de troca e abundância de liquidez internacional permitiram que a demanda interna crescesse em ritmo bem acima da produção, atingindo taxas acima de 9% ao ano.

A velocidade da reversão do cenário externo levou a um profundo ajuste de estoques no fim de 2008. Em termos nominais, a variação dos estoques equivaleu a -2,7% do PIB trimestral (-1,5% do PIB no último trimestre de 2007), o maior desde o último trimestre de 2002. A queda do investimento foi de quase 10% dessazonalizados, enquanto o consumo de famílias, na margem, caiu 2%. Crédito restrito, aumento da incerteza e colapso das exportações explicam o comportamento.

O ajuste às condições externas mais adversas deve prosseguir. A produção industrial em janeiro, apesar da recuperação em relação a dezembro, ainda se encontrava 9% abaixo da média do último trimestre de 2008. Mesmo que a indústria tenha voltado a crescer 2% ao mês em fevereiro e março - mesmo ritmo de janeiro, e também da forte recuperação no segundo semestre de 2003 -, ainda assim a produção industrial do primeiro trimestre de 2009 cairia 7,4% ante o fim de 2008. Embora tenha havido destaque ao ajuste de estoques na indústria automobilística em dezembro, , os dados de produção industrial de janeiro mostraram que esse processo de ajuste encontra-se disseminado na cadeia produtiva, com destaque para os bens intermediários.

A política fiscal contribuiu no ano passado para que a demanda doméstica crescesse a taxas aceleradas. No ano, o consumo do governo cresceu 5,6%, mais que o das famílias. No último trimestre, foi o único componente da demanda a crescer na margem, ainda que modesto. Não seria razoável esperar o mesmo em 2009. A perspectiva de alta do desemprego e o relaxamento apenas gradual das restrições de crédito tampouco deixam margem a muito otimismo no que se refere ao consumo privado, de onde se deduz que a trajetória para 2009 é de crescimento bastante modesto.

Apesar da forte queda no último trimestre, a formação bruta de capital fixo alcançou 19% do PIB, o mais elevado desde 1996. Ainda que insuficiente para sustentar a demanda doméstica no ritmo prevalecente até o terceiro trimestre de 2008, a expansão do investimento a 13% por ano desde 2006 permitiu acelerar a taxa de crescimento e aumentar o nível de produto potencial.

O espaço criado por um hiato negativo do produto com a forte retração da demanda pode ser ocupado pela política monetária para reduzir juros e voltar a estimular consumo e investimentos, caso não seja atropelada por uma expansão excessiva dos gastos públicos.

* Economista do Ipea