Título: Crise externa estourou bolha tributária
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2009, Economia, p. B1

Arrecadação vinha crescendo mais que a economia.

O governo brasileiro beneficiou-se de uma "bolha tributária" nos últimos anos, principalmente a partir de 2006, que fez com que a arrecadação subisse bem mais do que a atividade econômica. Isto aconteceu mesmo sem a criação de novos tributos ou do aumento de alíquotas, e apesar do fim da CMPF e dos inúmeros programas de desoneração tributária.

A análise é de Raul Velloso, um dos mais conhecidos especialistas em contas públicas no Brasil. Ele observa que, nos doze meses até outubro de 2008, a arrecadação bruta do governo federal cresceu 11,4%, quase o dobro da expansão de 5,9% da produção industrial no mesmo período. Em 2007, o pico da bolha, a arrecadação federal cresceu 14,2%, 137% a mais do que a produção industrial, que aumentou 6%.

A bolha tributária, porém, estava associada à bolha especulativa nos mercados internacionais, e as duas estouraram em setembro de 2008, quando o governo americano deixou o Lehman Brothers entrar em concordata, dando início à maior crise financeira e econômica global desde a década de 30. Com o estouro, o ritmo de evolução da arrecadação federal despencou para uma queda de 1,4% nos doze meses até janeiro de 2009. No mesmo período, a variação em doze meses da produção industrial caiu também para 1%. A queda do ritmo de crescimento anual da arrecadação, porém, de 12,4 pontos porcentuais, foi muito mais forte que a queda de 4,9 pontos porcentuais da produção industrial

Segundo Velloso, o crescimento anormalmente forte da receita de tributos e contribuições federais entre 2006 e 2008 esteve associado à bonança internacional e ao grande ingresso de dólares na economia brasileira. "O problema é que, por trás, havia uma bolha, ou seja, um processo não sustentável, e agora vamos enfrentar as consequências do seu desaparecimento."

Para ele, vários fatores estiveram por trás da bolha tributária. O o primeiro é que diversos segmentos de peso relevante na economia, e bons pagadores de impostos, como os setores automotivo e imobiliário, passaram a crescer acima da média nacional. A lucratividade dos setores beneficiados pela bonança também aumentou muito, com repercussão no imposto de renda da Pessoa Jurídica. Esses ganhos, por sua vez, atraíram o capital externo, em aquisição de ações ou de participação acionária direta, levando a ganhos de capitais expressivos.

Velloso nota que a arrecadação tributária no Brasil tem uma trajetória curiosa desde 1996. Até 2002, apesar do desempenho ruim da economia em muitos anos, as receitas cresciam sempre vigorosamente, e frequentemente muito acima da produção. Nesse período, segundo o especialista, por causa das crises fiscais agudas, "o governo, sem controlar devidamente os gastos, fez de tudo para aumentar a arrecadação - aumentou alíquotas, ampliou bases de incidência, criou impostos novos, recuperou impostos em litígio e aumento a fiscalização".

O quadro mudou no período de 2003 e 2006, quando o crescimento da arrecadação acompanhou muito de perto o da produção industrial. Foi nesta época que a sociedade começou a resistir de forma mais aguerrida a novos impostos ou a aumentos dos antigos, o que culminou com a rejeição final da CPMF pelo Senado em 2007. A partir de 2007, porém, mesmo sem aumentos de alíquotas e criação de impostos, os tributos federais voltaram a disparar para um ritmo bem acima da produção, o que Velloso atribui à bolha tributária, que agora estourou.