Título: Ministério da Justiça e Fiat travam disputa por recall
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2009, Negócios, p. B11

Batalha envolve denúncias de que defeito na roda do Fiat Stilo teria provocado acidentes.

O Ministério da Justiça e a Fiat travam, há oito meses, um embate envolvendo denúncias de falhas de fabricação no modelo Stilo. Os dois lados se armam com extensos dossiês que exigiram trabalho até de detetives para vasculhar detalhes das pessoas envolvidas no processo. A Fiat quer provar que seus carros não saíram de fábrica com defeito. O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), ligado ao Ministério, busca evidências para mostrar o contrário e obrigar a montadora a realizar um recall.

O processo envolve supostas vítimas de acidentes com modelos Stilo que teriam soltado uma das rodas. Há relatos de pelo menos quatro vítimas fatais. O DPDC instaurou processo administrativo contra a Fiat em junho. Procurado, o órgão disse que o caso está em análise e há pontos sigilosos no processo.

A Fiat também alegou que o processo está na Justiça. "Todos os documentos solicitados foram enviados ao Ministério da Justiça", disse um porta-voz. "Neste momento, não temos o que comentar." Nos bastidores, pessoas envolvidas no processo afirmam tratar-se do caso mais complexo envolvendo denúncias de consumidores para ambos os lados.

Desde que a ação chegou ao DPDC por meio de processo de pedido de indenização movido pela guia turística Carla Barbosa - ela alega ter perdido o controle do seu Stilo 2007 após a roda soltar-se na estrada, em Brasília -, a Fiat colocou sua equipe técnica para fazer uma vistoria completa no carro, testes com as peças e também contratou instituto independente (o Inmetro e o IPT) para realizar laudo sobre o veículo e as condições do acidente.

DOSSIÊ

Paralelamente, a Fiat construiu um dossiê, já entregue ao DPDC, com detalhes que colocam em dúvida a idoneidade de Carla e de sua testemunha no acidente, com denúncias que vão de suborno a ações criminais na Justiça. Em pelo menos outros dois casos também há informações colhidas sobre os envolvidos nos acidentes.

Para seu dossiê, o DPDC recorreu a todos os Denatrans (órgãos estaduais de trânsito), às bases da Polícia Rodoviária e aos institutos de criminalística para obter levantamento dos acidentes envolvendo o Stilo, possíveis vítimas e boletins de ocorrência. O órgão admite trabalhar com 10 a 15 casos, mas informações obtidas pelo Estado dão conta de que pode passar de 20 o número de ocorrências em análise.

O Ministério da Justiça também encaminhou o caso para uma equipe especial - o Grupo de Estudos Permanentes de Acidentes de Consumo (Gepac), criado em maio com representantes do Ministério Público Federal de São Paulo, Ministério Público Estadual de São Paulo, Rio e Distrito Federal, Procon de São Paulo e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), além da colaboração da Associação Nacional de Consumidores e Vítimas de Montadoras e Concessionárias Automotivas (Anvemca).

Em recentes declarações, o assessor técnico da Fiat, Carlos Henrique Ferreira, disse que a empresa está "segura de que não há erro de projeto e que as rodas se soltaram após forte impacto". Segundo o diretor do DPDC, Ricardo Morishita, caso seja comprovada a falha nos veículos, a Fiat e seus dirigentes podem responder a processos civis, além de a montadora ser multada em até R$ 3 milhões e ser obrigada a realizar o recall.

FOX E VECTRA

No ano passado, após um longo processo na Justiça, a Volkswagen teve de convocar mais de 500 mil donos de modelos Fox para a instalação de uma peça no porta-malas, após oito casos de mutilação de dedos de consumidores que tentaram rebater (abaixar) o banco traseiro.

Mesmo após o início do recall, em junho, ocorreram mais ferimentos, segundo relata o presidente da Anvemca, Jailton de Jesus Silva. Ele diz ter relatos de seis casos recentes. "Nem todo mundo sabe do recall", alega Silva, que diz já ter encaminhado os casos ao DPDC. A Volkswagen não informou quantos consumidores atenderam ao recall até agora.

Outra denúncia em análise pelo Gepac é sobre o Vectra, da General Motors. Há relatos de explosão de alguns modelos por suposto defeito no tanque ou no cano de distribuição de combustível. Um caso que está na Justiça ocorreu em 1999, em Mato Grosso. Quatro pessoas morreram carbonizadas. A família pede indenização e obteve parecer favorável da 9º Vara Cível de Cuiabá.

A Anvemca tem registros de 23 explosões ocorridas com o Vectra, mas Silva não sabe ainda a natureza de todas elas. A GM informou ter tomado conhecimento "de um movimento cuja origem e motivação ainda não estão identificadas, que tenta atribuir causas comuns a diferentes acidentes supostamente ocorridos com veículos Vectra de anos de fabricação e modelos diversos".

A GM informa não ter conhecimento da maioria dos casos. "Diante da gravidade dos fatos alegados, é no mínimo suspeito que a GM não tenha sido sequer comunicada." A empresa diz conhecer apenas a ação judicial de Mato Grosso, envolvendo o Vectra GLS 1998/1999. "O inquérito policial foi arquivado após ampla investigação e conclusão de que o acidente ocorreu em razão da existência de uma peça de caminhão depositada na pista de rodagem que acabou por rasgar o tanque do veículo e provocar o acidente", afirma. A GM diz ainda que apresentou recurso contra a sentença de primeiro grau que ora se encontra pendente em Mato Grosso.

DISCUSSÃO

Abertura: O processo contra a Fiat chegou ao DPDC no ano passado, por meio de um pedido de indenização de uma motorista que alegou ter se acidentado após seu Stilo ter perdido uma das rodas

Defesa: A Fiat afirma que não há erro de projeto ou falha na fabricação do carro, e que as rodas dos carros, nos casos que estão no DPDC, se soltaram após forte impacto

Punição: Se a falha for confirmada, a Fiat pode ser multada em até R$ 3 milhões