Título: Obama e o protecionismo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/02/2009, Notas e Informações, p. A3

O Brasil poderá iniciar uma ação contra os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), se o presidente Barack Obama sancionar uma cláusula protecionista incluída no pacote de estímulos fiscais, disse o chanceler Celso Amorim. Essa cláusula, conhecida como buy american (compre produto americano), proíbe a concessão dos incentivos a quem realizar obras de infraestrutura com ferro, aço e manufaturados comprados no exterior. A proibição não deve afetar países signatários de acordo de compras governamentais com os EUA, mas esse não é o caso do Brasil, da Índia e de vários outros exportadores. Antes de uma decisão, o governo brasileiro deverá, naturalmente, examinar o texto final da lei - ainda em elaboração no Congresso - e avaliar as possibilidades de êxito numa disputa na OMC. Mas o comentário do ministro confirma, assim como as críticas provenientes de vários outros países, o mal-estar causado pela iniciativa de congressistas americanos de instituir mais uma discriminação comercial.

O desentendimento, no entanto, não ocorre apenas entre americanos e seus parceiros. O vírus do protecionismo vem-se espalhando rapidamente, em todo o globo, desde o agravamento, há seis meses, da crise financeira e econômica. Alguns governos decidiram recorrer diretamente à imposição de barreiras, elevando tarifas, adotando cotas ou suspendendo a licença automática de importação. Outros adotaram pacotes de ajuda financeira a setores empresariais, concedendo subsídios e alterando, indiretamente, a formação de custos e as condições de concorrência. O governo francês foi um pouco mais óbvio, condicionando o socorro à indústria automobilística à criação de empregos na França e ao não investimento em outros países. Outros governos do bloco europeu receberam a iniciativa com críticas e ameaças de retaliação. A Comissão Europeia ainda não censurou oficialmente o programa francês, mas deverá investigar o assunto e tomar uma posição.

Nenhuma parte do mundo está livre de conflitos desse tipo. O governo chinês advertiu as autoridades indianas para serem cuidadosas em suas medidas de regulação comercial. Mas Pequim tem anunciado incentivos à exportação e até agora não está claro se os novos incentivos distorcem as condições de comércio.

Na América do Sul, o governo do Equador decidiu elevar tarifas, adotar cotas e aplicar barreiras não-tarifárias a vários parceiros, incluído o Brasil. As autoridades argentinas ampliaram seu protecionismo a partir de outubro do ano passado, dificultando as licenças de importação, fixando preços de referência considerados irrealistas por empresários brasileiros e aplicando sobretaxas. O governo brasileiro aceitou essas medidas sem muita reclamação. Mas agora se espera em Brasília uma missão de ministros argentinos para reclamar dos financiamentos concedidos pelo BNDES a empresas brasileiras. As autoridades brasileiras ouvirão, de novo, o surrado discurso sobre as assimetrias no Mercosul.

Somente soluções globais podem dar conta de uma crise global, têm repetido chefes de governo e ministros em todos os foros internacionais nos últimos seis meses. Mas suas ações têm sido com frequência a negação desse mantra. O governo brasileiro chegou a deixar-se levar pela onda protecionista, ao suspender, no fim de janeiro, licenças automáticas de importação. Mas a mudança durou apenas dois dias. O governo teve um ataque de bom senso e decidiu abandoná-la, numa atitude louvada pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. De fato, mais protecionismo não será a solução, mas será difícil evitar uma onda de retaliações, se governos de grandes economias insistirem na distorção do comércio. Se isso ocorrer, o protecionismo alongará a recessão global e a tornará mais penosa.

O risco será menor se o presidente Barack Obama entender a gravidade do problema e a responsabilidade de quem governa a maior economia do mundo. Se vetar a cláusula protecionista do pacote fiscal, poderá ser criticado internamente, mas nenhuma autoridade, fora dos Estados Unidos, poderá ignorar sua mensagem. Se aceitar o protecionismo, poderá comprometer as possibilidades de êxito da próxima reunião do Grupo dos 20 (o G-20 financeiro), marcada para abril, em Londres.