Título: Chávez cumpre sua palavra
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2009, Notas e Informações, p. A3

Ao ordenar a ocupação militar dos três portos mais movimentados da Venezuela, o coronel Hugo Chávez, mais uma vez, honrou a palavra empenhada. Vencido o referendo de fevereiro, que possibilitou a sua reeleição indefinida, o caudilho anunciara que sua próxima etapa seria o aprofundamento e a ampliação da "revolução bolivariana". Dito e feito. Antes mesmo da proclamação oficial do resultado do referendo, a Assembleia Nacional já discutia a alteração da Lei de Descentralização - que regulamenta dispositivo constitucional que define o papel de Estados e municípios na administração pública - para permitir a intervenção do Executivo federal em portos, aeroportos e estradas, em caso de "prestação de serviços deficientes ou inexistentes". E, como o caudilho não dorme em serviço, antes mesmo que a nova lei entrasse em vigor, com sua publicação na Gaceta Oficial, a ordem para a ocupação militar dos portos já estava cumprida.

A nova lei é claramente inconstitucional, pois é competência exclusiva dos Estados a gestão das estradas, portos e aeroportos, mas esse é um detalhe que nunca tirou o sono do caudilho, aliás autor da Constituição adotada em 1999, que seguidamente violenta. Afinal, a medida arbitrária tinha dois objetivos, visando à consolidação do "socialismo do século 21".

O primeiro, como afirmou Hugo Chávez, era a "radicalização do processo revolucionário". Com a ocupação militar dos portos ele quis demonstrar, explicitamente, que não há acordo possível com "a oligarquia nacional, controladora do capital e do poder econômico".

O segundo objetivo era mais rasteiro. Visava, pura e simplesmente, a retirar dos governadores dos Estados onde se situam os portos - todos eles de oposição - uma fonte substancial de receita fiscal. Por um dos portos entram mais de 80% das importações, por outro sai a maior parte do petróleo exportado, e o terceiro serve ao maior polo turístico do país.

Hugo Chávez está completando, assim, o processo de esvaziamento dos Estados e municípios controlados pela oposição. Antes mesmo das eleições regionais do ano passado, sabedor de que não teria nas urnas uma vitória retumbante, ele transferiu para o Executivo federal o controle de algumas polícias, como a metropolitana de Caracas. Depois das eleições, que deram à oposição o controle dos principais Estados e cidades do país - 45% dos eleitores e 70% do PIB nacional -, ele usou seus poderes especiais para retirar dos governadores e prefeitos de oposição o controle dos serviços públicos de saúde e ensino e dos sistemas locais de rádio e televisão.

"Nem água para o inimigo", diz o caudilho, com os olhos nas eleições parlamentares de 2010. Nas últimas eleições, os partidos de oposição cometeram o erro fatal de não apresentar candidatos à Assembleia Nacional, achando que com isso criariam uma crise institucional capaz de abalar o regime bolivariano. Na verdade, abriram caminho para a aprovação, primeiro, de uma constituição liberticida que felizmente foi derrubada em referendo, e, depois, para a adoção de "leis habilitantes" que aumentaram os já amplos poderes de Chávez. Nas eleições do próximo ano, a oposição espera eleger deputados em número suficiente, não para controlar a Assembleia, mas para interromper a marcha batida rumo ao socialismo bolivariano - e é isso o que o caudilho quer evitar.

Em dezembro de 2007, rejeitada a constituição liberticida, Hugo Chávez fez sua autocrítica: havia avançado depressa demais e não havia preparado suficientemente a opinião pública para a realização do projeto bolivariano - que, como qualquer regime socialista que se preze, prevê a "construção do homem novo" e o "controle estatal dos meios de produção". E anunciou que implementaria seu projeto em ritmo mais lento.

Desde então, a submissa Assembleia Nacional tem reconstituído, na forma de leis, o que estava na Constituição rejeitada em 2007. Não foi abolida a propriedade privada - que existirá durante o período de transição do capitalismo para o socialismo -, mas as "leis habilitantes" criaram a figura da propriedade social e deram ao governo amplos poderes para intervir e desapropriar. Chávez tem feito farto uso desses poderes. Antes de intervir nos portos - cujos serviços são privados -, expropriou as instalações da Coca-Cola, da Cargill e da Smurfit Kappa. E não se pode dizer que ele não avisou.