Título: Os subterrâneos do Senado
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2009, Notas & Informações, p. A3

O presidente do Senado, José Sarney, diz que não é de seu temperamento ser "a palmatória do mundo". Por isso, não sabia que a Casa tem 181 diretores (em vez de 136, como se divulgou inicialmente). Do ex-presidente da República, com meio século de carreira política, pode-se dizer, no entanto, que o que ele não sabe dos subterrâneos do poder em Brasília não vale a pena saber. Sarney pede ainda que o compreendam. "Não é fácil, na minha idade, com a minha vida", declara, ver o início do seu terceiro mandato no comando do Senado assolado por uma sucessão de denúncias de irregularidades - entre elas o pagamento de R$ 6,2 milhões em horas extras para 3.800 funcionários durante o mês de janeiro, em pleno recesso parlamentar, e a burla da lei que coíbe o nepotismo no serviço público.

Afinal, argumenta o cacique maranhense, ele disputou o cargo que viria a ocupar pela terceira vez "sem necessidade", apenas para "prestar um serviço à Casa" - docemente constrangido, poderia ter acrescentado, se a situação comportasse ironias. De resto, não tem mais "aspiração política, a não ser cumprir este meu último mandato". Era mais ou menos o que ele alegava nos idos de 1984, quando, dissidente da Arena, foi companheiro de chapa de Tancredo Neves na derradeira eleição indireta para o Planalto. Desprovido de outras ambições, estaria à vontade para "fazer o que for necessário" no saneamento da instituição. E o que fez até agora? Assinou um protocolo de intenções com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para uma auditoria nos gastos do Senado e o que chamou de "profunda reestruturação administrativa".

Antecipando-se ao trabalho da FGV, Sarney anunciou que pretende reduzir pela metade o número de cargos de direção na Casa. Isso é que é cortar na carne: feita a reforma, a instituição terá algo como 90 diretores, o equivalente a um para cada senador. "Pelo critério do mérito" ele decidirá quem vai ficar. No critério de necessidade ele não fala, embora a paga mensal de um diretor ultrapasse R$ 20 mil. Por que são 181 agora, quando eram 32 em 2001? O número de senadores aumentou proporcionalmente? Na terça-feira, Sarney havia anunciado que determinara o afastamento de todos os diretores, entre os quais mais de 20 são funcionários não concursados. Não é bem assim, logo se viu. Todos ficam onde estão, à espera da análise "caso a caso" prometida pelo primeiro-secretário Heráclito Fortes e do alardeado estudo da FGV. Também ele se disse espantado com a profusão de diretores, como se os seus cargos tivessem surgido por geração espontânea - e não a partir de projetos de resolução devidamente aprovados em plenário.

Mais chocantes ainda que o número bruto de marajás no Senado são as atribuições de algumas de suas diretorias. Uma, com 7 servidores, funciona numa sala do aeroporto de Brasília. É a de Apoio Aeroportuário, mais conhecida como diretoria de check-in, para facilitar o embarque de suas assoberbadas excelências. Outra atende pela respeitável denominação de Centro de Altos Estudos da Consultoria. Existe uma Diretoria de Visitação, para administrar, presumivelmente, o afluxo de turistas à instituição, e existe uma Diretoria de Autógrafos, que encaminha ao Executivo textos aprovados na Casa. Existe uma Diretoria de Ata e existe uma Diretoria de Coordenação de Rádios de Ondas Curtas. Existe uma Diretoria de Redação da Ordem do Dia e existe uma Diretoria de Administração de Residências. E existem as Subsecretarias, cada qual com o seu diretor: de Pessoal Inativo, de Contratações Diretas, de Divulgação e Integração (cuja diretora é dublê de assessora de imprensa da senadora Roseana Sarney).

A Subsecretaria de Anais cuida da publicação dos discursos dos senadores. "Claro que não existe diretor de Anais", explodiu o senador Pedro Simon. "É coisa feita para o cara ganhar mais." A esbórnia, em suma. Um levantamento do site Contas Abertas para o Correio Braziliense revelou que as diárias de viagem ao exterior de senadores e funcionários custaram em 2008 R$ 700 mil (ante R$ 481 mil em 2007). Outros R$ 369 mil, quase o dobro do ano anterior, foram gastos com "festividades e homenagens". Mas, para Sarney, "o Senado precisa sair dessa discussão menor". Melhor fará se conseguir que o Senado não saia menor dessa discussão.