Título: Mudanças deverão reduzir rentabilidade da poupança
Autor: Otta, Aiko Lu
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2009, Economia, p. B4

Governo quer mexer no rendimento das cadernetas para evitar desequilíbrio no crédito.

As mudanças na rentabilidade da caderneta de poupança em estudo pelo governo têm como objetivo principal evitar que falte crédito para pessoas físicas, empresas e para o próprio governo. O grande temor de autoridades e analistas de mercado é que a manutenção das regras atuais de correção da poupança provoque uma corrida para essa modalidade de aplicação.

Isso ocorre por causa da tendência de queda para a taxa de juros básica (Selic), atualmente em 11,25% ao ano. A maior parte da economia dos brasileiros está hoje nos fundos de investimento - R$ 1,2 trilhão. Nesse universo, os destaques são os fundos de renda fixa e DI, compostos por títulos emitidos pelo governo e por empresas.

Se a taxa básica cai e a forma de remunerar a poupança se mantém, é natural que as pessoas troquem de aplicação. O resultado disso seria uma menor disponibilidade de recursos para governo e empresas (cujos bônus, em geral, também têm como referência a taxa Selic).

Segundo autoridades, a concentração de investimentos em poupança teria como consequência o desequilíbrio entre as operações financiadas por elas e aquelas suportadas pelos fundos de investimento.

Hoje, 65% do dinheiro depositado nas cadernetas é obrigatoriamente emprestado para financiar habitação e saneamento. Os recursos dos fundos são usados, por exemplo, para financiar a expansão de empresas e para empréstimos pessoais. "Se as pessoas preferirem a poupança aos fundos, vai sobrar dinheiro para habitação", disse o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

No ano passado, segundo o Banco Central (BC), os bancos já deixaram de aplicar R$ 711,9 milhões da poupança que deveriam direcionar a empréstimos habitacionais. De outro lado, explicou Gonçalves, a falta de investidores nos fundos poderá criar problemas para o financiamento do governo.

Para o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas, o que mais preocupa é a perspectiva de falta de dinheiro para as outras linhas de crédito que não a habitacional. "Os bancos podem ter dificuldades em dar empréstimos." Freitas avalia, porém, que há tempo para o governo agir e evitar o problema.

Ao contrário de Gonçalves, Freitas acredita que o governo não teria problemas em vender seus títulos mesmo se houvesse concentração de dinheiro na poupança. O BC poderia baixar regras obrigando, por exemplo, que os recursos não utilizados para crédito habitacional fossem direcionados à compra dos papéis federais.

Os dois economistas concordam, porém, que a remuneração da poupança precisa ser alterada. "A poupança é a única aplicação que ainda tem uma remuneração fixa", disse Freitas. Hoje, a poupança é remunerada com 6% ao ano, mais a variação da Taxa Referencial (TR).

"Num momento em que o juro cai, não há mais como manter um instrumento com rentabilidade permanente." Gonçalves avalia que o governo terá de "apertar um pouco" a poupança e os fundos para manter o equilíbrio entre as aplicações. Qualquer que seja a escolha do governo, porém, terá de passar pelo crivo do Congresso.

COLABOROU FABIO GRANER