Título: Era Agaciel multiplicou cargos e benesses no Senado
Autor: Samarco, Christiane; Lopes, Eugênia
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2009, Nacional, p. A6

Processo ganhou fôlego a partir de 2003, no segundo mandato de Sarney

Christiane Samarco e Eugênia Lopes, BRASÍLIA

No dia 4 de março, os corredores e salões do Senado Federal foram palco de uma cena inusitada: aos gritos e enroscados em faixas e cartazes, cerca de 200 funcionários levaram às lágrimas um servidor demissionário com um coro: "Volta Agaciel". O foco da manifestação era o diretor-geral Agaciel Maia, 51 anos, 32 deles trabalhando no Senado. Passados 14 anos no comando da direção-geral, ele transformou a Casa em uma máquina de multiplicar cargos. Foi por isso que saiu aclamado por 104 chefes de serviço, subsecretários e coordenadores que agraciou com status de diretor, aumento salarial e vaga na garagem do prédio.

As diretorias de fachada criadas por Agaciel foram o estopim de um escândalo que começa a traduzir em números o inchaço concebido com o consentimento dos senadores que presidiram o Congresso nos últimos anos, especialmente a partir do segundo mandato do atual presidente José Sarney (PMDB-AP), no início de 2003. Antigos dirigentes da Casa atestam que poderes da primeira-secretaria foram absorvidos pela diretoria-geral e que teria começado aí a "era Agaciel", traduzida por estes números: 9.400 funcionários, sendo 1.700 efetivos, 1.300 inativos, 3.400 terceirizados e outros 3.000 comissionados.

Os números são redondos porque o Senado tem tudo "mais ou menos aproximado". O próprio comando da Casa precisou de 48 horas para saber quantos diretores tinha - nesse espaço de tempo, o número variou dos 131 para a conta final de nada menos que 181. "Às 18h de terça-feira, a contabilidade somava 136 diretorias. Duas horas e meia depois, recebi um telefonema informando que havia mais 45 diretores", disse o primeiro-secretário, senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

Enquanto os contratos de terceirizados faziam a alegria dos empresários do setor de serviços e aluguel de mão de obra, para os funcionários públicos de carreira Agaciel montou uma química administrativa que dividia cargos em um processo assemelhado à mitose: as sete secretarias e 16 subsecretarias existentes em 1995, quando Agaciel assumiu a direção da Casa, multiplicaram-se a tal ponto que o senador Heráclito aponta hoje 104 "diretorias de fantasia" ou "diretorias de apelido". As outras 67 seriam as "diretorias de fato", pela denominação do primeiro-secretário.

Não por acaso foi criada uma comissão técnica, composta por sete funcionários, para rever os contratos de prestação de serviços com fornecimento de mão de obra. Pelo menos 12 deles estão sob suspeita de superfaturamento.

No início de março, logo após a exoneração de Agaciel - suspeito de omitir a propriedade de uma casa avaliada em R$ 5 milhões -, foi detectado que uma das empresas terceirizadas, a Ipanema, mantinha 36 funcionários desviados de função no grupo de 337 contratados pela Casa. O contrato foi suspenso e a empresa substituta, a Plansul, cobrará pelos mesmos serviços R$ 8 milhões a menos que os R$ 31 milhões propostos pela Ipanema.

VAGA COBERTA

Na prática, o Senado da era Agaciel nunca teve um plano de cargos e salários. O poderoso diretor-geral, com o aval da cúpula da Casa, fez todas as divisões necessárias para agradar o maior número possível de servidores.

A ordem de grandeza da miudeza administrativa pode ser medida por esta régua que só acrescenta prestígio aos vencimentos já polpudos, entre R$ 20 mil e R$ 25 mil: a diferença entre salários de diretores, subdiretores, secretários, subsecretários e coordenadores, todos com status de diretor, fica em torno de R$ 115, fora os mimos como um celular com franquia de gastos de até R$ 300 por conta do erário. Além da mais importante de todas as benesses: a vaga cativa na garagem coberta, com acesso direto aos elevadores. Nada de disputar espaço ao relento em estacionamentos que, de tão distantes, forçaram o diretor da Coordenação de Transportes, que há menos de uma década não passava de um mero "chefe de serviço", a contratar quatro vans para levar e trazer funcionários.

Foi neste ambiente que o chefe do serviço de obras, que responde ao diretor de Engenharia, Adriano Bezerra de Faria, também foi transformado em diretor. Os antigos serviços de manutenção, instalações especiais e instalações prediais igualmente viraram subsecretarias e seus comandantes ganharam status de diretor.

Na sexta-feira, os cortes atingiram duas subsecretarias. Foram exonerados os diretores de Obras e Instalações Especiais. Os funcionários de carreira continuam em seus postos, mas rebaixados a chefes e sem a gratificação de diretoria.

O problema é que esse time de diretores não é único. Ele se reproduz na Gráfica do Senado, no Prodasen (o serviço de Processamento de Dados do Senado) e na Secretaria de Telecomunicações. "O ideal é que houvesse uma engenharia só para todo o Senado", pondera Adriano de Faria.

No gabinete da presidência havia o chefe de gabinete e o cerimonial. Hoje, além do cerimonial, estão lá uma diretoria institucional que cuida de estudos técnicos e uma secretaria de imprensa - todos cargos cujos ocupantes têm cargo de diretor.

Os cortes também atingiram quatro dos 22 diretores vinculados à secretaria-geral da Mesa. Perderam status e outras regalias os subsecretários de Elaboração e Autógrafos e Redação Oficial, de Publicações Oficiais e de Redação e Expediente. Na taquigrafia, que começou com apenas uma chefia e chegou a ter cinco diretores até dois dias atrás, só a subsecretaria de Registro e Apoio a Reuniões de Comissões perdeu poder. Os 130 funcionários do setor seguem seus trabalhos respondendo a quatro diretores.

A Polícia do Senado, que no papel existe desde o Império, teve sua criação prevista há 185 anos, na Constituição de 1824. Mas o cargo de diretor da Polícia do Senado é novidade da era Agaciel. À frente da secretaria de Polícia, o diretor Pedro Ricardo Carvalho comanda 150 homens. Até sexta-feira, outros quatro diretores respondiam diretamente a ele, mas a reforma administrativa de emergência reduziu este quadro à metade. Saem do organograma as diretorias de Polícia Ostensiva e de Proteção a Autoridades. Ao menos por enquanto, estão mantidas as diretorias de Polícia Judiciária e de Logística e Controle Operacional.