Título: Dona da Daslu é condenada a 94 anos de prisão
Autor: Godoy, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2009, Economia, p. B8

Eliana Tranchesi foi presa ontem e levada ao Presídio do Carandiru, mas a defesa já pediu um habeas-corpus

Marcelo Godoy

A empresária Eliana Maria Tranchesi e seu irmão Antônio Carlos Piva de Albuquerque, donos da butique Daslu, foram condenados a 94 anos e 6 meses de prisão sob as acusações de formação de quadrilha, contrabando e falsidade ideológica. A sentença não é definitiva e a defesa dos réus vai recorrer. "Essa prisão é ilegal", disse a advogada Joyce Roysen. Ela entrou com um pedido de habeas-corpus para sua cliente ontem no Tribunal Regional Federal e outro para que Eliana, caso lhe seja negada a liberdade por meio de liminar, tenha o direito de ficar detida em casa por causa de seu estado de saúde.

O tamanho da pena surpreendeu. Suzane Richthofen, por exemplo, a jovem que matou os pais em São Paulo em 2002, foi condenada em 2006 a 39 anos de prisão. Já o sequestradores de Washington Olivetto pegaram 30 anos. A juíza Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Federal de Guarulhos, condenou os donos da Daslu nas 20 acusações feitas pelo Ministério Público Federal (MPF). Ela somou as penas de cada acusação para obter a condenação. Os outros cinco réus foram condenados a penas que variam de 11 anos a 53 anos de prisão no processo da Operação Narciso.

Desencadeada em 2005 pela Polícia Federal, a ação criou polêmica sobre a forma como foi feita - criticava-se um suposto abuso da polícia. A Narciso apurou a acusação de existência de um esquema de fraudes fiscais montado com empresas laranjas para a sonegação de impostos na importação e na venda de artigos de luxo - as Receitas Estadual e Federal multaram a Daslu em cerca de R$ 1 bilhão.

A juíza negou aos réus o direito de recorrer da decisão em liberdade. Eliana foi presa às 8 horas em casa por agentes federais e levada à penitenciária feminina da capital, no Carandiru, na zona norte. Seu irmão e o empresário Celso de Lima, dono da importadora Multimport (condenado a 53 anos) também foram presos. Três réus não foram localizados em casa. O sétimo, André Beukers (condenado a 25 anos), viajou anteontem para o emirado de Abu Dhabi.

Na sentença, a juíza fundamentou a decretação da prisão dos acusados, afirmando que eles formaram uma organização criminosa. A lei que define esse tipo de organização impede que os réus recorram em liberdade. Outro fator também foi considerado pela juíza. Em sua sentença, ela diz que o grupo reincidiu nos crimes durante o processo - o esquema de importação fraudulento teria apenas deixado de usar o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), para se valer do Porto de Itajaí, em Santa Catarina.

"Rico também integra organização criminosa", disse o procurador da República, Matheus Baraldi Magnani. Segundo ele, esse tipo de organização não é constituída somente por "um sujeito malcriado com um fuzil numa favela" e o poder de intimidação que ela exerce não necessita de armas. "O abuso do poder econômico e a corrupção são armas, são outros mecanismos de intimidação." O procurador comemorou a sentença. "Sei que haverá recurso e ela pode ser modificada pelas instâncias superiores. Mas ela prova que o Judiciário atinge sim os fidalgos."

Ao mesmo tempo, a Daslu, por meio de nota, manifestou "indignação pela prisão de sua idealizadora e principal executiva". A nota segue dizendo que a empresária está em meio a um tratamento quimioterápico por causa de um câncer no pulmão. "É cruel manter uma pessoa nas condições de saúde da empresária encarcerada." A nota lembra que a "história de mais de 50 anos da Daslu comprova seu compromisso com o Brasil" e diz que continuará funcionando. O procurador não quis falar sobre a saúde de Eliana.

A juíza usou termos duros contra os réus em sua sentença. Diz que a conduta de Eliana, por exemplo, "merece ainda maior reprovação, posto que a conduta da acusada, proveniente da cobiça em busca da acumulação de riqueza proveniente de meios ilícitos, visava a angariar recursos bilionários através de lesão ao erário".

Ela chama atenção para o fato de que " surgiram provas inequívocas da reiteração criminosa por parte dos chefes da organização". Ao decidir-se pela prisão, a juíza diz que os réus são uma ameaça à ordem pública porque seriam "criminosos contumazes" e "profissionais do crime", "sendo certo que, se ficarem em liberdade, certamente voltarão a delinquir".

CRONOLOGIA

13/7/2005: Agentes federais vão à casa de Eliana Tranchesi e a prendem, assim como a seu irmão, Antonio Piva de Albuquerque. Eles são informados que a Daslu era alvo da Operação Narciso, que envolvia a Receita, a Polícia e o Ministério Público federais. O objetivo era apurar crimes de formação de quadrilha, sonegação fiscal, falsificação de documentos e contrabando. Mercadorias entravam no Brasil subfaturadas, com registro de outras empresas, omitindo-se que eram realizadas pelos sócios da loja. Outros 32 endereços em São Paulo foram vasculhados por 250 agentes

29/9/2005: Três meses após a mudança para a loja na Marginal do Pinheiros e dois após a prisão de Eliana, a Daslu anuncia demissões e reestruturação. Grifes importadas começam a sumir das prateleiras. A empresa fica 13 meses sem repor estoques

25/08/2006: Eliana é operada para a retirada de dois nódulos do pulmão e inicia quimioterapia. Consegue uma autorização da Receita Federal para importar diretamente suas mercadorias, sem o intermédio de importadoras

13/12/2006: A Receita federal autua a Daslu em R$ 236,3 milhões por multas e juros referentes a tributos não pagos pela empresa Multimport na importação de produtos entre 2001 e 2005

01/02/2008: O STJ nega o pedido de Eliana Tranchesi para que fosse excluído o crime de formação de quadrilha da ação a que ela responde na Justiça Federal em São Paulo

29/04/2008: O Ministério Público Federal pede um mínimo de 28 e um máximo de 116 anos de prisão como pena para Eliana Tranchesi e seu irmão

30/5/2008: Vila Daslu, uma versão menor da butique, é inaugurada por Eliana no shopping Cidade Jardim

26/3/2009: Eliana, Antônio e mais cinco réus são condenados