Título: O que esperar do G-20
Autor: Sarkozy, Nicolas
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/04/2009, Economia, p. B8

Amanhã, em Londres, e pela segunda vez em apenas cinco anos, dirigentes das 20 principais economias mundiais se reunirão para tentar dar uma resposta à crise sem precedentes que atravessamos.

Desde o início desta crise, venho defendendo a ideia de que, ante um desafio dessa amplitude, cooperação não é opção, mas necessidade. Em setembro de 2008, na Assembleia-Geral das Nações Unidas, convidei o mundo a se unir para dar uma resposta coordenada e articulada a essa crise. Avançada pelo conjunto de países europeus, a iniciativa foi discutida na primeira reunião de chefes de Estado e de governo do G-20, em novembro em Washington, quando foram estabelecidas as bases de uma ampla reforma do sistema financeiro internacional. A reunião de cúpula de Londres deve, agora, nos permitir ir mais longe.

O que o mundo espera de nós é que aceleremos a reforma do sistema financeiro internacional. Que reconstruamos, juntos, um capitalismo renovado, mais regulamentado, mais ético e solidário. É a condição para uma reativação e um crescimento econômico duráveis.

Isso porque esta crise não é uma crise do capitalismo. Pelo contrário, é a crise de um sistema que se afastou dos valores mais fundamentais do capitalismo. A crise de um sistema que levou os atores financeiros a assumir riscos cada vez mais irrefletidos, que deixou os bancos especularem em vez de fazer o trabalho que lhes é próprio, de financiar o desenvolvimento da economia; um sistema, enfim, que tolerou uma ausência total de controle das atividades de tantos atores e mercados.

Na reunião de Washington, em novembro, chegamos a um acordo sobre os quatro princípios que devem guiar nossa ação: a necessidade de coordenação e cooperação reforçadas, a recusa de medidas protecionistas, fortalecer os sistemas regulatórios dos mercados financeiros e uma nova governança mundial.

E, até agora, o que conseguimos? Nos dois primeiros pontos, avançamos muito. Soubemos resistir ao protecionismo, que, como a história nos ensinou, sempre agrava as dificuldades. Igualmente, todos os países apoiaram vigorosamente suas economias, adotando planos de recuperação, enquanto em países como a França, que oferecem a seus cidadãos um alto nível de proteção social, houve aumento significativo das despesas sociais ligadas à crise.

No geral, levando em conta todas as medidas de apoio, as principais economias realizaram esforços gigantescos para fazer frente às dificuldades. Essas medidas apenas agora começam a surtir efeito, mas precisamos estar prontos para fazer mais, se necessário.

É o princípio que estaremos defendendo em Londres: fazer tudo o que for preciso para o crescimento do mundo. Mas esta semana, com a mesma prioridade e o mesmo sentimento de urgência, temos de avançar na regulamentação dos mercados. O crescimento será ainda mais forte se sustentado por um sistema estável e eficaz e uma confiança renovada nos mercados, que vão permitir melhor alocação dos recursos, reativação do crédito e retomada dos fluxos de capitais privados dos países industrializados para os países em desenvolvimento.

A reunião de Washington permitiu que se definissem vários princípios essenciais em matéria de regulamentação, que agora precisam ser colocados em prática. Decidimos que, doravante, nenhum participante do mercado financeiro, nenhuma instituição ou produto financeiro escapará ao controle de uma autoridade reguladora. Essa regra será aplicada às agências de classificação de crédito, aos fundos especulativos e aos paraísos fiscais.

Quanto a este último aspecto, meu desejo é que consigamos ir bem mais além, adotando uma resolução que identifique os paraísos ficais, estabeleça as mudanças que queremos e também as consequências se não responderem de acordo. Aliás, estou feliz de constatar que o debate sobre os paraísos fiscais, iniciado em Washington, começou a dar frutos, especialmente na Europa, onde vários países já anunciaram sua intenção de adaptar a legislação em resposta à expectativa da comunidade internacional.

Desejo igualmente que nossa reflexão coletiva avance no que diz respeito à necessária reforma das normas contábeis e nos níveis de fiscalização prudente das instituições financeiras. As normas atuais não conseguiram impedir os abusos, e até agravaram a crise. Pretendo incentivar esse debate, que em muitos países não vem recebendo a atenção que merece.

Quanto à reforma da governança econômica mundial, minha crença, já antiga, é que temos de dar um lugar muito mais importante aos países emergentes, de acordo com seu peso e com as responsabilidades que eu gostaria de vê-los assumindo. Isso vale para todos os órgãos internacionais, mas em particular para as instituições financeiras. Estou especialmente alegre com a ampliação do Fórum de estabilidade financeira. Mas é preciso ir além. Após a cúpula de Londres, precisamos prosseguir com uma grande renovação do sistema multilateral inteiro. Nos próximos meses, vou apresentar propostas nesse sentido.

Enfim, precisamos dar respostas aos problemas daqueles que foram mais atingidos pela crise. Temos de aumentar os recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI), para que ele possa amparar os países com mais sérias dificuldades.

Gostaria de sublinhar o imperativo absoluto de darmos apoio aos países mais pobres. Eles são as vítimas desta crise e alguns enfrentam o risco real de ver os enormes esforços dos últimos anos, para alcançar as metas de desenvolvimento estabelecidas para o milênio, serem completamente anulados, se não mostrarmos solidariedade.

O mundo pode sair mais forte, mais unido e mais solidário deste período difícil, desde que haja vontade para isso. Estou consciente de que não se pode mudar tudo da noite para o dia, que haverá necessidade de outros encontros, após o de Londres, para alcançarmos as reformas a que nos comprometemos. Estou certo, contudo, da necessidade de obtermos resultados concretos em Londres. O fracasso nos é proibido, pois o mundo não compreenderá e a História não nos perdoará.

*Nicolas Sarkozy é presidente da França