Título: Faltou a data para retomar Doha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2009, Economia, p. B6

Rubens Barbosa: diretor da Fiesp e ex-embaixador do Brasil nos EUA; diplomata considera um avanço as resoluções do G-20, mas acha que ainda são um conjunto de boas intenções

Cleide Silva

O ex-embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, vê como avanço a inclusão, nas resoluções do G-20, de várias propostas apresentadas pelo Brasil, como o fortalecimento das instituições globais. Lamenta, porém, a não fixação de data para a retomada da Rodada Doha, fórum apropriado para a discussão de subsídios e liberação de comércio.

As resoluções abrem novos caminhos para a economia mundial?

O que foi aprovado representa um conjunto de medidas e de políticas que podem ajudar a conter a crise internacional e tentar evitar que ela se repita. Até aqui, é um conjunto de boas intenções. Vamos ver como é que vão se concretizar. Um passo positivo foi o reconhecimento conjunto da gravidade da crise. Resolveram eliminar diferenças como a questão da regulamentação.

As medidas ajudam a mudar o rumo da economia?

Há uma série de medidas que os países estão tomando nacionalmente. Eles mencionaram que os incentivos fiscais chegarão até o fim de 2010 a US$ 5 trilhões. Mas reconheceram que não é suficiente e precisa de um esforço coletivo para a irrigação e a volta da confiança do sistema financeiro. Isso será feito através da regulamentação. A promoção do comércio, do investimento e a recusa em aceitar medidas protecionistas foram posições importantes, mas isso depende de ações concretas dos países.

O protecionismo deixará de ser uma ameaça?

Pessoalmente, sou meio cético em relação a isso. Já houve a mesma manifestação em novembro e poucos países cumpriram. Aqui no nosso subcontinente, por exemplo, a Argentina está tomando medidas adicionais. Como vamos enfrentar isso? Há um compromisso no documento final de que os países devem informar a OMC sobre as medidas restritivas que forem tomadas. O Brasil vai comunicar a OMC as restrições que possivelmente vão ser impostas pela Argentina? Os US$ 250 bilhões em dois anos para apoiar o financiamento do comércio exterior vão ser repassados?

O sr. vê alguma falha nas decisões do G-20?

Não deram seguimento, apesar de estar registrado no comunicado, a uma data precisa para a retomada da Rodada Doha. É uma contradição, pois se realmente fosse para discutir fim de subsídio, liberação de comércio para valer, o fórum apropriado seria Doha.

A agenda como um todo melhora a situação econômica do Brasil?

A maioria das coisas que o Brasil queria está incorporada na resolução. Primeiro, a questão da regulamentação e supervisão. Segundo, o fortalecimento das instituições financeiras globais. Terceiro, a resistência ao protecionismo e a promoção do comércio. O que não entrou, além da questão de Doha, foi a proposta do governo brasileiro de substituir o G-7 pelo G-20. Outra coisa que não consta do comunicado é o pedido do Brasil para que o monitoramento que o Fundo Monetário faz dos países emergentes fosse estendido também aos países desenvolvidos, que foram os responsáveis por essa crise, como o Lula vem repetindo.

A popularidade de Lula pode se reverter em benefícios para o País?

Mostra o prestígio que ele tem. Mas uma coisa é fazer um gesto, uma brincadeira, outra são os interesses concretos. A projeção que o Brasil vem tendo deriva sobretudo da estabilidade política, econômica e do mercado que tem. O Brasil hoje é um ator importante na discussão de vários temas que estão no topo da agenda internacional: comércio, meio ambiente, mudança de clima, energia, alimentação. Não há possibilidade de se conversar sobre isso hoje sem a voz do Brasil. Claro que a personalidade do presidente conta, porque ele é visto como de esquerda moderada, que tem preocupação social grande e é um fator de estabilidade na região, que passa por período conturbado, com lideranças controvertidas. E o Lula é visto como pessoa que pode ter influência na região.