Título: O novo gabinete cubano
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2009, Notas & Informações, p. A3

Um ano depois de assumir efetivamente o poder no lugar de seu aposentado irmão Fidel, o presidente Raúl Castro promoveu uma reestruturação sem precedentes na alta hierarquia do governo cubano: não apenas pela substituição de oito ministros de uma penada só, com duas fusões de ministérios, mas porque entre os afastados se incluem dois dos mais importantes nomes do regime, dados até aqui como insubstituíveis - o ministro das Relações Exteriores, Felipe Pérez Roque, que ocupava o cargo há praticamente dez anos, e o chefe do Conselho de Ministros, o equivalente a primeiro-ministro, Carlos Lage, há duas décadas na função. Ele deverá continuar como um dos cinco vice-presidentes do estratégico Conselho de Estado. Ambos são fidelistas "de carteirinha" - e, ao que tudo indica, acabam de pagar por isso.

Roque, de 43 anos, era secretário pessoal do ditador comandante antes de ser nomeado chanceler. No posto, tornou-se o número três do governo, depois de Fidel e Lage, suplantando o próprio Raúl. Lage foi o mentor das reformas econômicas que o seu padrinho introduziu a contragosto nos anos 1990, depois que o colapso da União Soviética mergulhou de vez na miséria a ilha mal-e-mal sustentada por Moscou. Com o passar do tempo, as reformas, por assim dizer, caíram na clandestinidade. No ano passado, quando o octogenário Fidel renunciou, chegou-se a comentar que Lage, 57, o sucederia. Já para o lugar de Roque, Raúl escolheu o segundo dele, Bruno Rodríguez, diplomata de carreira e ex-embaixador nas Nações Unidas. É a primeira vez que a chancelaria cubana é entregue a um membro do serviço diplomático e não a um quadro da elite do Partido Comunista Cubano. Para o lugar de Lage foi um militar, o general José Amado Ricardo Guerra, secretário-chefe do ministro das Forças Armadas. (Outro general foi nomeado ministro da Indústria Siderúrgica.)

Oficialmente, o objetivo da mudança é tornar o governo "mais compacto e eficiente, com menor número de organismos da administração central do Estado e melhor distribuição das funções que cumprem". E mais "raulista", é o caso de acrescentar. O irmão de Fidel, de 77 anos, deixa patente o seu intuito de se cercar de gente de sua estrita confiança para consolidar a sua hegemonia - sem esperar pelo passamento do Comandante. A nomeação de militares leva a imaginar que Raúl, ministro da Defesa de Cuba durante décadas, desejaria ter perto de si membros da instituição que ele mais conhece e controla, as Forças Armadas. Para que, precisamente, só o tempo dirá. Em geral, os observadores procurados pela imprensa se mostraram reticentes em prognosticar os efeitos da reorganização da cúpula cubana sobre os rumos do país. Alguns especulam que a reforma ministerial se destinou a acabar com presumíveis divisões de orientação no governo entre partidários de um e de outro Castro.

"Mas ainda é cedo para entender as razões disso", admite o cientista político cubano Eusebio Mujal-Leon, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. De seu lado, o analista Bert Hoffmann, do Instituto Alemão de Estudos Globais, em Hamburgo, supõe que, ao remover opositores potenciais, Raúl terá desejado acelerar as reformas que tenha em mente. Os nomeados "serão leais à agenda de mudanças graduais e politicamente controláveis do presidente". Haja gradualismo. No discurso de posse, o sucessor de Fidel prometeu dar fim ao "excesso de restrições" de que padecem os cubanos. Restrições na vida econômica e cotidiana, bem entendido, porque em nenhum momento, nem à época, nem ao longo desses 12 meses no poder, Raúl disse ou fez algo que pudesse ser interpretado como sinal de afrouxamento da maior das restrições impostas ao país - a implacável ditadura ali instaurada há meio século.

E mesmo as concessões na esfera do consumo - liberação da compra de celulares e computadores e da hospedagem em hotéis até então exclusivos para turistas - pouco ou nada significaram, dada a penúria da população, cuja renda média mensal não passa do equivalente a US$ 17. Não bastasse isso, a ilha foi devastada em questão de meses por três furacões. Em dezembro último, falando à Assembleia Nacional, Raúl pediu tempo para avançar com as reformas. Pelo visto, só Fidel passou a andar em Cuba.