Título: O excessivo poder dos bancos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2009, Notas & Informações, p. A3

O Brasil tem um dos sistemas bancários mais sólidos do mundo, mas os consumidores e as empresas pouco se beneficiam disso. Pagam os spreads - a diferença entre o custo de captação e o juro cobrado no empréstimo - mais altos do mundo e têm dificuldade de acesso ao financiamento. Essa dificuldade, com a crise internacional, aumentou em praticamente todos os países, mas no Brasil o problema tem sido agravado pela concentração bancária. Há muito tempo não há concorrência para valer entre bancos brasileiros. E o grau de competição ainda tem diminuído por causa das fusões, aquisições e quebras de bancos.

A concentração de poder, desde a época de lançamento do Plano Real, foi mostrada em estudo recente da agência de classificação de risco Austin Rating, resumido em reportagem publicada segunda-feira no Estado. No fim de 1994, os cinco maiores bancos brasileiros eram responsáveis por 56,8% do crédito. Em dezembro de 2008, essa participação havia chegado a 77,5%. A concentração dos ativos totais, como se poderia imaginar, acompanhou a dos financiamentos: os valores inscritos nos balanços dos cinco maiores bancos passaram de 45,2% para 78,6% no período analisado.

Essa tendência foi reforçada, recentemente, com a fusão do Itaú e do Unibanco e com a compra da Nossa Caixa e de parte do Votorantim pelo Banco do Brasil. Ao mesmo tempo, a crise dificultou o acesso de instituições brasileiras ao mercado financeiro internacional e os mais afetados foram os bancos pequenos e médios.

Todos esses fatores - a concentração, a situação mais desfavorável dos pequenos e médios e o aumento do risco de inadimplência - contribuíram para estreitar o acesso da maior parte das empresas brasileiras ao crédito. As mais prejudicadas, como era previsível, foram as pequenas, as médias e as microempresas. Os bancos pequenos e médios são normalmente os principais financiadores daquelas empresas. Sua participação chega a 40% no crédito concedido a alguns setores. Nesta crise, esses bancos são menos numerosos do que já foram, por causa da concentração, e também os mais prejudicados na capacidade de emprestar. O governo identificou o problema e tomou medidas para estimular os poupadores a aplicar dinheiro em certificados de depósito emitidos por esses bancos.

A concentração, uma tendência mundial, pode produzir alguns efeitos benéficos, como os ganhos de escala e o fortalecimento dos bancos. Os ganhos de escala ajudam os bancos interessados em competir internacionalmente e podem resultar em reduções de custos. Mas essas vantagens nem sempre se traduzem - e este é o caso brasileiro - em benefícios para os tomadores de empréstimos. Isso foi verificado já em pesquisa realizada há mais de 30 anos. Houve um forte movimento de concentração entre o final dos anos 60 e o começo dos 70. O efeito principal foi o aumento de poder de algumas instituições.

Os spreads brasileiros, os maiores do mundo, refletem a concentração de poder, já considerável antes da onda recente de fusões e aquisições. Segundo pesquisa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, consumidores e empresas pagaram no ano passado R$ 134,5 bilhões de spreads. Desse total, 18,34% corresponderam a impostos diretos e indiretos, uma fatia muito grande e passível, certamente, de redução. Os depósitos compulsórios sobre depósitos à vista representaram apenas 3,54% desse valor. A maior fatia, 37,35%, foi representada pelo risco de inadimplência. A segunda maior, 26,93%, foi o lucro. O resto, 18,15%, correspondeu ao custo administrativo. É difícil avaliar se o risco do empréstimo foi ou não superestimado, mas o lucro foi com certeza de causar inveja à maior parte das empresas brasileiras de todos os setores da produção e dos serviços. Uma redução de um quarto desse spread teria sido suficiente, por exemplo, para custear a construção de 1 milhão de casas populares ou para elevar de 5% as vendas do comércio.

A concentração talvez não explique tudo, mas o poder dos maiores bancos certamente permite uma lucratividade raramente alcançável em setores mais sujeitos à concorrência.