Título: A crise também é nossa. Não é só dos Estados Unidos
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2009, Economia, p. B3

Desempregados retomam velhos hábitos de consumo

O desemprego vem abatendo uma parte da população que até pouco tempo atrás não sabia o que era fazer parte da classe média. Esses trabalhadores tomaram gosto pelos novos hábitos de consumo. Agora, sem salário, passam o facão nas despesas. Em Franco da Rocha, Grande São Paulo, o bairro da Paradinha concentra um grande número de metalúrgicos e é a expressão dos efeitos da crise. Sexta-feira, fim de tarde, e o bar Casa do Norte, do cearense Raimundo Alves Rodrigues Neto, só tinha um freguês. "O movimento caiu uns 70% nos últimos três meses. Quem tomava uma cerveja trocou pela cachaça para gastar menos e se embebedar mais depressa", conta.

Um dos clientes de Rodrigues é o metalúrgico Adriano da Silva Souza, 32 anos, que tem uma dívida de R$ 40 no bar. Souza foi demitido há um mês da Mecatron, prestadora de serviço da multinacional Saint-Gobain. Sem o salário de R$ 750, o jeito foi contar apenas com a renda da mulher Emídia, empregada doméstica, para manter as despesas da casa e do filho Jordan, de 7 anos. "A primeira coisa que tivemos de cortar foi a perua que levava nosso filho para a escola. O celular virou pai de santo, só recebe. E agora só fazemos compra do que é indispensável", lamenta Souza.

No mesmo bairro, a desempregada Cristina Eugênio, de 33 anos, cria cinco filhos só com a ajuda dos R$ 500 enviados pelo marido, que trabalha em Minas Gerais. Ela mora em um dos puxadinhos no quintal da mãe, Marise, de 60 anos. No mesmo quintal vivem outros cinco filhos de Marise. O clima é de desânimo. Três irmãs de Cristina estão sem trabalho. Biscoito e iogurte só quando o pai chega de viagem. "A crise também é nossa, não é só dos Estados Unidos. Se para lá, nós também paramos aqui", analisa Marise.

FILHO DA CRISE

Demitido pela Embraer em fevereiro, Luciano de Paula Nogueira Peixoto, 35 anos, de São José dos Campos (SP), se define como um "filho da crise". Cauteloso, o mecânico montador cortou tudo o que pôde.

Primeira medida: deixar o cartão de crédito em casa e não dar cheque pré-datado. Além disso, mudou o plano de telefonia fixa e reduziu os créditos do celular dele e da mulher Alessandra de R$ 35 para R$ 11 cada. Trocou o carro pelo transporte público. Só de combustível diminuiu a conta mensal em R$ 100. Abriu mão até do sorvete com a família no shopping.

Nem o filho Vinícius, de um ano e três meses, escapou. Os pacotes de fralda Pampers foram substituídos por marcas mais baratas. O corte chegou ao cardápio. Peixoto deixou de comprar arroz integral e os alimentos orgânicos. A carne saiu das refeições diárias da família. Os gastos totais chegavam a R$ 1,8 mil por mês e o ex-funcionário da Embraer já conseguiu baixar para R$ 1,4 mil. "Minha meta é diminuir para R$ 1,2 mil", afirma.