Título: Impacto da crise só chegou em janeiro
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2009, Economia, p. B3

Mas trabalho formal antecipou queda; fevereiro tem algum alívio

Fernando Dantas

O aumento proporcional das classes D e E e a redução das classes A, B e C em janeiro mudaram a tendência que prevalecia desde o início da crise em setembro. Até dezembro, o padrão de fortalecimento da classe média do governo Lula estava relativamente preservado, segundo os cálculos de Marcelo Neri, diretor do Centro de Política Social (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

As classes A e B tiveram, é verdade, um recuo muito leve na participação total da população das seis regiões metropolitanas da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), saindo de 15,4% para 15,3% entre setembro e dezembro de 2008. Nas outra classes, porém, a tendência dos últimos anos foi mantida. A classe C, a maior de todas, prosseguiu na sua rota de crescimento naquele período, aumentando de 53,2% das regiões metropolitanas para 53,8%. As classes D e E, por outro lado, encolheram de, respectivamente, 13,5% para 13,2%, e de 17,9% para 17,7% - de acordo com o ocorrido na maior parte do governo Lula.

Segundo Neri, "foi só em janeiro que soou o alarme de que, na área social, a crise não era apenas uma marolinha, embora ainda não esteja caracterizado que seja um tsunami".

Os sinais de reversão vieram antes de janeiro, porém, em outros indicadores que reforçam a visão do aumento de importância da classe média nos últimos anos. Para Neri, um dos mais importantes é o emprego formal, que teve um excelente desempenho desde 2004, impulsionado pelos efeitos no Brasil do boom global. Antecipando o encolhimento da classe média em janeiro, quase 800 mil empregos formais foram perdidos a partir de novembro.

Fevereiro, por outro lado, foi um mês melhor do que janeiro para a classe média, segundo Neri. Todos os seus cálculos são baseados nos chamados "microdados" da PME. Apesar de a PME de fevereiro já ter sido divulgada, o CPS só deve fazer o mesmo cálculo realizado para janeiro dentro de alguns dias.

Neri, porém, numa análise preliminar do resultado mais ameno da PME em fevereiro (a renda ficou quase estável), prevê que provavelmente o mês "ficou no zero a zero". Isto significa que não deve ter havido uma recuperação expressiva das perdas de janeiro, mas tampouco um aprofundamento da tendência de deterioração.

"Fico mais tranquilo com fevereiro", diz, mas acrescenta que é preciso esperar os próximos meses para verificar se o ocorrido em janeiro é um ponto de inflexão histórico nos avanços sociais dos últimos anos, ou é apenas um fato isolado.

A divisão de classes empregada por Neri utiliza a renda familiar total, extrapolada por métodos estatísticos da renda do trabalho que consta da PME. A classe E tem rendimentos mensais de zero a R$ 800; a classe D, de R$ 800 a R$ 1,1 mil; a classe C, de R$ 1,1 mil a R$ 4,8 mil; e as classes A e B de R$ 4,8 mil em diante.

Apesar de não apostar que o baque de janeiro vai se repetir nos próximos meses, o economista acha que o risco de recuo nas conquistas sociais aumentou, e o governo deve usar seus instrumentos para prevenir uma eventual deterioração mais profunda. Na área econômica, Neri considera que o Banco Central ainda pode derrubar significativamente a taxa básica de juros. Na área social, ele vê o Bolsa-Família como o principal anteparo para a população mais pobre.