Título: O pleito dos Estados é justo e oportuno
Autor: Samarco, Christiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2009, Nacional, p. A7

Entrevista - José Roberto Afonso: economista; para especialista em contas públicas, os contratos de rolagem das dívidas tornaram-se ?draconianos?

Renata Veríssimo, BRASÍLIA

O economista e especialista em finanças públicas José Roberto Afonso acredita ser "justa e oportuna" a proposta fechada pelos Estados na sexta-feira para renegociação das dívidas com a União. Ele afirma que contratos de rolagem da dívida se tornaram draconianos. Apesar do pagamento das prestações em dia, a dívida dos Estados é maior que a negociada nestes contratos. Afonso acredita que as mudanças reivindicadas podem ser atendidas sem o descumprimento ou alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A proposta aprovada pode ser atendida sem ferir a LRF?

Acho que o pleito dos Estados justo e oportuno. Acho possível fazer as mudanças sem alterar a LRF. Mais que isso: o princípio deve ser não mudar a LRF para flexibilizar. Se for para mudar é para endurecer ainda mais. Até porque medida provisória não pode mudar lei complementar.

Por que não precisa alterar a LRF?

Porque o que estão discutindo na essência é a rolagem da dívida, que é regulada por lei ordinária. Esta lei ordinária está regulada por uma MP, por resolução do Senado e por um contrato com o Tesouro que dizem assim: o indexador vai ser o IGP-DI ou outro índice que vier a substituí-lo. Por que não é feito? Porque as duas partes (Estados e Tesouro) têm de concordar. Um segundo ponto é que já se tem precedente. Já foi alterado por MP o cálculo da base sobre o qual se incidem as prestações.

Para reduzir o porcentual de comprometimento da receita líquida não precisa mexer na LRF?

Esta questão tem que entrar na discussão mais geral da taxa de juros. Desde agosto do ano passado, juros da dívida estadual e municipal são muito maiores do que da dívida federal. Então Estados e municípios, antes mesmo de cair a Selic, já pagam juros superiores aos do governo federal. Com a Selic em queda, esta diferença vai aumentar mais ainda.

Mas pode ou não mexer no porcentual de comprometimento?

A rolagem da dívida tinha sido acordada num contexto econômico totalmente diferente. Todo mundo usava IGP-DI na época, não existia meta de inflação pelo IPCA, existia câmbio fixo e taxas de juros altíssimas. Ninguém ia prever que as condições macroeconômicas iam mudar tanto. O contrato de rolagem da dívida virou draconiano para as partes. Acho justo que Estados e municípios queiram tratamento isonômico. Para mexer neste porcentual, se configurar nova rolagem, pode fazer uma operação triangular. O Estado paga 13% (do total das receitas líquidas) e a União pode devolver 2% na forma de investimento nos Estados.

Mesmo neste cenário de queda de arrecadação, a União tem condições de devolver este dinheiro?

Com certeza. A União usa o dinheiro que recebe dos Estados e municípios para pagar dívida. Mas esta dívida custa cada vez menos. Quando se desenhou os contratos, se colocou taxa de juros real de 6% ou 9% na rolagem, a taxa de juro real que se pagava na época. Hoje se trabalha com juros de 5%.