Título: Quando acirrar não ajuda
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2009, Notas & Informações, p. A3

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes, tem empregado argumentação sólida na condenação de abusos praticados em operações da Polícia Federal (PF) ou de procedimentos que considera equivocados, por parte do Ministério Público Federal (MPF). Mas as críticas públicas do presidente da mais alta Corte de Justiça do País têm se repetido e intensificado, com tal frequência, a ponto de produzirem um clima de acirramento entre instituições que em nada ajuda a resolver os problemas - policiais, investigatórios, judiciais - apontados, além de estimular confrontos político-partidários entre governo e oposição, o que também pouco ajuda a sociedade brasileira neste momento de crise.

Referindo-se, numa entrevista, à polêmica Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, o presidente do Supremo e do CNJ torpedeou, sem papas na língua, o sistema de "controle externo" exercido pelo Ministério Público sobre a Polícia Federal, como manda a lei, aliás. "Esse tal controle externo do Ministério Público (sobre a PF) é algo litero-poético-recreativo. Não tem funcionado a contento", afirmou. E, continuando sua diatribe, em palestra proferida na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, disse o ministro que alguns integrantes do Ministério Público Federal não apenas não fiscalizam a PF, como acabam sendo parte nos abusos cometidos. "Muitas vezes, o próprio Ministério Público Federal é parte naquilo que nós chamamos de ação abusiva da polícia", disse o ministro, indagando: "Quando o Ministério Público atua em conjunto com a polícia, quem vai ser o controlador dessa operação?"

Na verdade, a inconsistência das acusações - baseadas em simples hipóteses e não em provas, com exagero do uso de verbos no condicional ("poderia estar havendo", "teriam sido") - que levaram à prisão dos diretores da Construtora Camargo Corrêa, na Operação Castelo de Areia, realizada em conjunto pela PF e o MPF, já foi devidamente exposta pela decisão da desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que concedeu habeas corpus e mandou soltar os investigados presos. Só que, se houve abuso naquela operação, foi com o respaldo do próprio Judiciário, ou seja, com base em mandado do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Então, será que a proposta do ministro Mendes, de deixar ao Judiciário o "controle externo" da Polícia Federal, resolveria o problema?

O imbróglio político que no Congresso acirrou os ânimos entre governistas e oposicionistas - por estes não aceitarem a "coincidência" de apenas os partidos de oposição terem sido mencionados nas "supostas" doações eleitorais ilegais feitas pela construtora - ficou ainda mais sem sentido quando o próprio Ministério Público Federal, por meio da procuradora da República Karen Louise Jeanette Kahn, declarou que os pedidos de prisão contra executivos da Camargo Corrêa e doleiros "não tiveram como fundamento supostas doações ilegais a partidos, mas amparo em fartas provas de crimes financeiros e de lavagem". Reconheça-se que a imprensa enfatizou, nessa operação, a parte relativa a doações eleitorais, passando esse tópico a ocupar, desproporcionalmente, a maior parte do noticiário sobre o assunto. Mas é só agora que todos - a começar pelo MPF - afiançam que o assunto de financiamento "ilegal" de campanhas é coisa a ser tratada apenas pelo Ministério Público Eleitoral e pela Justiça Eleitoral.

Deixemos de lado a controvertida questão de ter havido ou não "viés político" na mais recente operação da PF. Interessa, acima de tudo, condenar os abusos praticados nessas operações. Interessa também proceder-se a uma investigação séria sobre remessas de dinheiro para o exterior, que, como doações eleitorais, podem ser legais ou ilegais. O que não interessa - e não ajuda -, porém, é acirrar a animosidade entre Justiça, Ministério Público e Polícia Federal, assim como jogar toda a culpa pelo imbróglio em um doleiro que entrou na história como instrumento dos supostos criminosos e surge agora como o principal criminoso. E, do jeito que vai, vão acabar dizendo que o finado Jânio Quadros é o único culpado por qualquer remessa ilegal de dinheiro para o exterior.