Título: Um freio na Grampolândia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2009, Notas & Informações, p. A3

Foi muito oportuna a aprovação, por unanimidade, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de resolução que disciplina os pedidos de interceptações telefônicas e a utilização das informações assim obtidas por procuradores da República e promotores de Justiça de todo o País. Há tempo vêm se acumulando as denúncias de excessos ilegalidades e vazamentos, cometidos em notórias operações conduzidas por agentes da Polícia Federal em parceria com membros do Ministério Público, a ponto de falar-se na existência de uma "República da Grampolândia" - que em nada combina com o Estado Democrático de Direito.

O rol de procedimentos adotados pelo CNMP se assemelha, em muitos pontos,.ao anteriormente decidido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que normatizou o uso, pelos magistrados, dos mecanismos de detecção eletrônica de informações nas investigações, Na verdade, a resolução do CNMP reforça limites e proibições já emitidos em lei, que, no entanto, era muitas vezes interpretada de forma, digamos, um tanto elástica. Por exemplo, a resolução veda, expressamente, a realização de interceptações de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou a quebra de segredo de Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei e tudo isso já constava de dispositivos legais.

Da mesma forma, a resolução proíbe procuradores e promotores de fornecer, "direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgãos da mídia, gravações ou transcrições contidas em processos ou investigações criminais¿. Ora, se as investigações e os processos correm e, sigilo e o teor das interceptações telefônicas está igualmente protegido, o seu vazamento só pode ser atribuído a quem tem acesso às peças, aí incluídas as autoridades, às vezes interessadas em alimentar escândalos. É verdade que não é nem será fácil apurar res0ponsabilidades em casos desse tipo. De qualquer forma, espera-se que a reiteração da proibição de vazamentos, desta vez pelo órgão de controle do Ministério Público, possa inibir, em algum grau, a exposição difamatória de vítimas os chamados "alvos" - de grampos.

A resolução do CNMP, ainda seguindo a lei, determina também que os dados obtidos por escutas telefônicas ou eletrônicas que não interessarem diretamente às provas, na instrução processual, deverão ser destruídos, com acompanhamento do Ministério público. Além disso, o procurador ou o promotor responsável pela investigação criminal ou instrução penal deverá comunicar, mensalmente, à Corregedoria de cada unidade do Ministério Público os números de interceptações em andamento e de pessoas que tiveram quebrado o sigilo telefônico, telemático ou informático. E, para maior controle das ações investigatórias com quebras de sigilo, as corregedorias dos Ministérios Públicos federal e estaduais terão de encaminhar, mensalmente, todos os dados coletados à Corregedoria Nacional do Ministério Público.

Segundo o Conselheiro do CNMP, Cláudio Barros, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul e autor da proposta de resolução aprovada, sua adoção se justifica pela "necessidade de estabelecer a uniformização, a padronização e requisitos rígidos na utilização dos dados referentes às autorizações de interceptações telefônicas em todo o Ministério Público": Caberia, então, perguntar: se o Ministério Público é a instituição, por excelência, incumbida de fazer respeitar a lei, por que necessita ela de algum "reforço" para desempenhar sua função?· Afinal, os que têm por missão fazer outros cumprirem a lei devem ser os primeiros a fazê-lo. Tem havido, de fato, abusos na utilização das escutas. Mas também é verdade que todas as instituições públicas - por mais responsáveis que sejam - necessitam de controle, o qual implica um mínimo de consenso interpretativo interno, a respeito de seus próprios procedimentos. E neste sentido que se tem revelado produtivo e oportuno o trabalho de organismos há pouco tempo criados, como o CNMP e o CNJ, voltados para o fortalecimento do respeito à lei e o aperfeiçoamento do aparelho judiciário.