Título: Impunidade parlamentar
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2009, Nacional, p. A6

Com todo o respeito que não anda a merecer a instituição, muito do que vem sendo revelado sobre os meios e modos adotados nas internas do Congresso só por concessão é definido como "irregularidade".

Há crimes claros, apropriação de recursos públicos, fraudes para obtenção de vantagem financeira, roubo, em português castiço.

Não existe outra designação possível para o ato de embolsar dinheiro indevido.

Receber auxílio-moradia sem "morar", transferir ao público o pagamento de contas telefônicas particulares, contratar serviços de auditoria para engavetá-los sem usar - como já fizeram a Câmara e o Senado com estudos sobre redução de gastos feitos pela Fundação Getúlio Vargas -, apresentar notas fiscais de despesas inexistentes, ganhar salário sem trabalhar, tudo isso, na essência, configura usurpação.

Pelas leis vigentes no País para todos os cidadãos, ilícito passível de pena de prisão.

No Congresso, contudo, recebem outras denominações: irregularidades, erros, equívocos. Todos passíveis de perdão, mediante anistia, justificativa burocrática amoldada às regras da corporação, pagamento da dívida em questão, demissão do elo mais fraco ou irremediavelmente apodrecido ou simplesmente por um acordo tácito de esquecimento geral.

A presunção é a da inocência mesmo quando o réu é confesso e pego em flagrante.

Descobriu-se que a empregada doméstica era paga como assessora parlamentar? Demita-se a moça. A filha do senador gastou R$ 14 mil com celular do Senado? O pai acerta as contas e não se fala no assunto. O diretor foi pego com um dossiê sobre contas telefônicas astronômicas? Puna-se o potencial chantagista ou, pior, informante da imprensa.

A verba indenizatória precisa de limites? Criem-se limites, mas com muito cuidado para que não causem desconforto a suas excelências. Se a restrição for considerada excessiva, revoguem-se as restrições.

Como agora. A Mesa Diretora da Câmara proibiu o uso da verba com despesas de alimentação e contratação de consultorias, bem como vetou a distribuição das passagens aéreas destinadas aos deputados. Quando suas excelências reclamaram, a Mesa voltou atrás e deixou as proibições para lá.

No Congresso nada obriga ninguém a coisa alguma. A vontade dos parlamentares se sobrepõe a qualquer princípio, regra ou valor.

Trata-se, portanto, de uma falácia que o Parlamento é um Poder transparente fiscalizado pela sociedade. É, sim, um Poder vulnerável, obscuro, que funciona de costas para a Nação, pintando e bordando à revelia de tudo, de todos e das balizas do Estado de Direito.