Título: Balança o coronelismo eletrônico
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/04/2009, Notas & Informações, p. A3

A notícia só não é inteiramente auspiciosa porque o "coronelismo eletrônico" ainda está longe de cair. Mas, sem dúvida, algo já o faz balançar. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, na noite da última terça-feira, parecer do senador Pedro Simon (PMDB-RS) contrário a novas concessões e à renovação de concessões de emissoras de rádio e de televisão a empresas pertencentes a parlamentares.

É verdade que o parecer do senador gaúcho foi aprovado, na CCJ, em reunião na qual apenas quatro senadores estavam presentes. Isso gerou uma discussão entre o presidente da Comissão, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), e o senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), acionista da TV Bahia, que reclamou do fato de a matéria ter sido colocada em votação com a presença de tão poucos, durante uma sessão destinada apenas a "limpar a pauta" da Comissão. Torres alegou que aquela sessão dava continuidade à de quarta-feira da semana anterior, que tivera a presença maciça dos membros da Comissão, que foram informados da pauta da reunião. Deixem-se de lado, no entanto, as circunstâncias que facilitaram a vitória daquele parecer. O que importa é o fato de o Legislativo mexer em questão de grande relevância para os padrões da ética política no Brasil.

Ao longo da História política contemporânea, os antigos "coronéis de baraço e cutelo", que dominavam politicamente regiões inteiras, mantendo grandes currais eleitorais, foram sendo substituídos pelos "coronéis eletrônicos", que graças a concessões de rádio e televisão faziam crescer o poderio político-eleitoral de suas famílias e apaniguados. Para manter suas estruturas de poder, esses coronéis montaram verdadeiros impérios de meios de comunicação. Isso só foi possível porque o sistema de concessão na radiodifusão sempre se prestou a barganhas e favores, sendo um dos mecanismos de cooptação mais eficazes para o profundo enraizamento do fisiologismo na política nacional.

Não são poucos os políticos importantes, com mandatos parlamentares, que são donos de emissoras de radiodifusão. Além do mencionado ACM Jr., na Bahia, dono de emissora de TV afiliada à Rede Globo no Estado, temos, por exemplo, Tasso Jereissati (PSDB-CE), proprietário da rádio e da TV Jangadeiro, em Fortaleza; Roseana Sarney (PMDB-MA), acionista da TV Mirante (também filiada à Globo) e de três emissoras de rádio no Maranhão; Fernando Collor de Mello (PTB-AL), acionista da TV Gazeta, em Maceió (também filiada à Globo); José Agripino, líder do DEM no Senado e cuja família controla, no Rio Grande do Norte, cinco emissoras de rádio e uma de televisão, a TV Tropical, afiliada à Rede Record. Além desses, há muitos outros parlamentares menos conhecidos - como é o caso dos integrantes do chamado "baixo clero" - que no conjunto controlam centenas de emissoras de rádio e de televisão, com as quais têm feito suas carreiras políticas e a de seus sucessores.

A atual legislação de radiodifusão não impede que políticos detentores de mandato sejam proprietários de emissoras. Só é vedado que ocupem cargos diretivos nessas empresas. Neste sentido o parecer do senador Pedro Simon vai além da legislação do setor para interpretar o artigo 54 da Constituição, pelo qual deputados e senadores não poderão "ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exerça função remunerada". O argumento de Simon é que as concessões podem ser usadas (e como o foram!) como elemento de barganha do Executivo para angariar votos no Congresso. E ele cita fato de 2006, quando o presidente Lula, atendendo a apelos de políticos, interrompeu a tramitação de 225 processos de renovação de outorgas de radiodifusão, que corriam o risco de ser rejeitados pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara.

O parecer de Simon agora vai para deliberação do plenário do Senado - onde pelo menos 17 senadores figuram como proprietários de empresas de radiodifusão no cadastro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), afora as emissoras que estão em nome de seus familiares. Donde se imagina que nem com um hercúleo esforço de opinião pública ele será aprovado.