Título: Mau exemplo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2009, Notas & Informações, p. A3

Incapaz de elaborar e gerir uma política fiscal coerente com a realidade e eficaz no combate aos efeitos da crise sobre suas finanças, o governo do PT - e nele destacadamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - não hesita em aumentar gastos quando se trata de criar condições que possam fortalecer seu candidato, ou sua candidata, na eleição presidencial de 2010. Só o obsessivo interesse eleitoral do presidente e de seu partido pode explicar, mas nunca justificar perante os contribuintes, a decisão de abrir os cofres do Tesouro para conceder uma ajuda extra de até R$ 1 bilhão para 5,5 mil municípios.

Não há, nas boas normas da administração pública, justificativa plausível para tal "bondade". Trata-se, na essência, de uma espécie de mesada generosa do governo Lula aos prefeitos. É um péssimo exemplo de gestão fiscal num momento de crise - quando a receita diminui, a resposta tem de ser a correspondente redução da despesa - e um precedente perigoso, pois, sabendo que, em dificuldades financeiras, poderão sempre recorrer ao socorro federal, os prefeitos serão estimulados a continuar gastando do jeito que gastavam, com ou sem crise.

É compreensível que eles façam reuniões, manifestações e pressões sobre o governo federal para tentar compensar o que consideram perdas dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Eles se queixam porque os recursos do FPM caem justamente quando a arrecadação dos tributos próprios também está diminuindo.

Formado por parte da arrecadação de dois tributos federais, o IPI e o Imposto de Renda, o FPM, como toda a receita tributária nos três níveis de governo, sofre o efeito da crise. Quanto menor a atividade econômica e a renda das empresas e das pessoas físicas, menor a receita tributária e menores, consequentemente, os repasses do FPM.

Nessa situação, a resposta do bom administrador é óbvia: ajuste proporcional das despesas. Parte da equipe técnica do governo federal utilizou esse argumento para forçar os municípios a se adaptar à realidade, mas ele foi inteiramente ignorado pelo Palácio do Planalto. "O presidente mandou pagar a diferença entre o que foi recebido em 2008 do FPM, R$ 51,3 bilhões, e o valor repassado neste ano", disse o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. "Não haverá perdas para os municípios."

Como era de esperar, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, que há tempo vinha pressionando o governo federal e o Congresso para a adoção de alguma medida de alívio para as prefeituras, considerou a medida insuficiente. Ele quer a reposição corrigida pela inflação do que considera perda de repasse do FPM e também a suspensão temporária do pagamento da dívida das prefeituras com o INSS.

Apesar das críticas da CNM, a decisão do governo é muito mais favorável aos municípios do que as medidas que vinham sendo examinadas na área técnica. Uma delas previa a antecipação das transferências futuras dos recursos do FPM. Ou seja, o que os municípios recebessem a mais agora seria compensado nos próximos meses, quando, espera o governo, a arrecadação voltará a crescer. Outra solução seria socorrer só os municípios mais afetados pela queda das transferências, em geral de menor porte.

Mas, movido pelo interesse político, o presidente Lula não quis criar áreas de atritos com os prefeitos das grandes cidades nem ter de enfrentar novas pressões no segundo semestre, quando haveria a compensação dos recursos liberados antecipadamente pelo FPM. Mandou distribuir dinheiro para todos os municípios, independentemente de seu tamanho, e sem necessidade de compensação futura.

Quando a receita crescia, muitos prefeitos contrataram servidores e inflaram os gastos. Com a queda da receita, precisam cortar despesas. E podem fazer isso, pois a Constituição autoriza a demissão de funcionário estável se não houver receita para pagar seus vencimentos. Este é o caminho correto para se enfrentar a crise. Mas, por conta da generosidade do governo Lula com o dinheiro do contribuinte, os prefeitos estão conseguindo fugir dele.