Título: Queda do superávit não deve causar impacto no mercado
Autor: Samarco, Christiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2009, Economia, p. B3

Mas crítica ao aumento dos gastos correntes do setor público ainda persiste

Fernando Dantas, RIO

A redução na prática do superávit primário do setor público de 3,8% para 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, com investimentos de cerca de R$ 15 bilhões da Petrobrás deixando de contar como despesa, não deve causar maiores comoções no mercado financeiro. A corrente principal de analistas aceita bem que o governo pratique uma política fiscal anticíclica este ano, isto é, que gaste mais para tentar estimular a economia.

Em termos de médio e longo prazos, porém, persiste a crítica de que as despesas correntes do setor público aumentam muito mais que os investimentos. Mesmo a curto prazo, o ideal seria uma política anticíclica baseada em investimentos, e não em gastos correntes. Nesse sentido, embora o Brasil esteja muito longe de cumprir essa recomendação, o fato de que os gastos liberados sejam precisamente os investimentos da Petrobrás é mais bem recebido do que uma redução de superávit primário por ainda mais aumentos de gastos com custeio, funcionalismo e Previdência.

"O governo já vinha dando sinais o tempo todo de que busca um primário menor, e a mudança não chega a ser dramática", diz Roberto Padovani, estrategista do banco WestLB em São Paulo. Ele nota que o principal indicador fiscal, a relação entre a dívida pública e o PIB, caiu de cerca de 40% do PIB até um mínimo de 35%, após o início da crise. Isso ocorreu porque o setor público brasileiro é credor em dólares, e a valorização da moeda americana reforça a posição financeira do País. Agora, a relação dívida/PIB voltou para o nível de 37%, mas a redução desde o início da crise ainda cria espaço para que a queda do superávit primário não seja vista como uma significativa deterioração fiscal.

Padovani, porém, preferiria que o enfrentamento da crise fosse mais concentrado na política monetária. Na sua visão, se o governo tivesse seguido um rigor fiscal maior ao longo dos últimos anos, o Banco Central (BC) teria sido induzido a derrubar mais a taxa de juros, a Selic. "Quanto menos empenhado o governo parecer em termos de pagar a dívida, pior é a disposição dos investidores em alongá-la e menor fica o espaço para a queda de juros", ele diz.

CORTE DA SELIC

Já Amir Khair, consultor da área fiscal, acha que o corte da Selic este ano pode surpreender, indo além das previsões médias do mercado. Ele nota que já se fala até na possibilidade de a Selic chegar a um nível próximo a 8% no fim do ano. Com isso, Khair prevê que a economia na conta de juros do governo possa ir além de R$ 15 bilhões.

Em outras palavras, apesar da redução de R$ 15 bilhões, ou cerca de 0,5% do PIB, no superávit primário, que exclui juros, ele acha que o resultado nominal, que inclui os juros, pode ficar estável, já que a conta financeira vai baixar. Ele nota que o déficit nominal de 1,6% do PIB foi o menor desde que ele acompanha os números fiscais brasileiros.

Khair, que apoia a redução do superávit com a exclusão da Petrobrás do cálculo, lembra ainda que os investimentos da estatal ativam a economia, e parte do gasto a mais do governo volta na forma de impostos em cima dessa atividade econômica adicional.

INDÚSTRIA

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, considerou positiva a redução da meta de superávit primário de 2009 e 2010. "Se não há nada que aponte para a deterioração da relação dívida/PIB e é possível aumentar o investimento, é (algo) positivo", considerou.

Ele fez a afirmação a jornalistas ao entrar no Ministério da Fazenda para entregar ao ministro Guido Mantega um documento intitulado Plano de Ação Contra a Crise, que foi formulado pelo Fórum Nacional, formado por aproximadamente 50 empresários, do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae).

Monteiro Neto não quis prever um porcentual para o crescimento do PIB deste ano, caso as medidas contidas no documento sejam colocadas em operação. De acordo com ele, com as ações indicadas no documento, o PIB poderá se expandir próximo a 2%. "Não gosto da coisa numérica, mas ainda há condições de ativar alguns setores da economia", limitou-se a dizer.

COLABOROU CÉLIA FROUFE