Título: Contas públicas mais frouxas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2009, Notas & Informações, p. A3

O governo vai afrouxar a política orçamentária deste ano, não só para compensar a perda de arrecadação e os benefícios fiscais concedidos a alguns setores, mas também para aumentar seus gastos e dar maior folga aos municípios. A elevação da despesa está garantida pelo menos na folha de pagamentos do funcionalismo. O governo manterá não só os aumentos salariais já em vigor, mas também aqueles programados para serem pagos a partir de julho. Esta decisão não havia sido confirmada até há pouco tempo. Admitia-se em Brasília, pelo menos oficialmente, a hipótese de ser adiada parte dos aumentos concedidos no ano passado, para o governo se ajustar aos efeitos da crise econômica. Mas tudo será pago, assegurou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao explicar as novas mudanças na política fiscal.

Para o próximo ano, o governo projeta um superávit primário equivalente a 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). A meta seria 3,8%, se a Petrobrás continuasse a contribuir para a economia destinada ao pagamento dos juros, mas a estatal foi liberada desse papel, para poder investir mais livremente. A meta do próximo ano é baseada na hipótese de um crescimento econômico de 4,5%, a mesma taxa estimada para a expansão da receita primária, isto é, não financeira. As duas hipóteses parecem pouco realistas, neste momento, mas esta dúvida não é agora a mais importante.

O governo, tudo indica, não está apenas abrindo espaço em suas contas para uma política anticrise, mas para um grande aumento de gastos e de bondades no período eleitoral - e esse período, ninguém pode seriamente duvidar, já começou.

Com a mudança dos planos para este ano, o superávit primário programado para todo o setor público será diminuído de 3,8% para 2,5% do PIB. De acordo com a meta em vigor até agora, a União contribuiria com um resultado primário equivalente a 2,15% do PIB. Viriam 0,7% das estatais e 0,95% dos Estados e municípios. Com a nova programação, o resultado da União passará a 1,4%; o das estatais, a 0,2% (por causa da exclusão da Petrobrás); e o dos Estados e municípios, a 0,9%.

Há, portanto, um afrouxamento para os governos federal, estaduais e municipais. Para a União, isso poderá representar uma folga de R$ 40 bilhões para aumentar seus gastos. Mas o governo central ainda poderá dispor de mais dinheiro para seus planos se conseguir, por exemplo, realizar as obras do Programa Piloto de Investimentos (PPI), estimadas em 0,5% do PIB.

Mas esta hipótese parece remota, quando se considera a experiência repetida em muitos anos. É sempre a mesma coisa. Ministros e seus aliados vivem cobrando mais dinheiro para os investimentos públicos, porque o País precisa de mais estradas, de mais portos, mais equipamentos de saúde e assim por diante. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa dessa ladainha. Não faltará, tem ele repetido, dinheiro para obras, especialmente para as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As pessoas menos informadas sobre contas públicas podem aplaudir a firmeza do presidente, em sua disposição de não cortar um único centavo - ele tem usado essa imagem - dos investimentos.

Essas pessoas ficariam espantadas se conhecessem um pouco mais sobre a execução orçamentária. No ano passado, até 31 de dezembro, o governo federal gastou apenas 18,7% dos R$ 47,9 bilhões autorizados para todos os programas de investimentos. Chegou a empenhar 79,8% do total, mas isso ocorre normalmente: no fim do ano, há uma corrida para empenhos e esse dinheiro acaba aparecendo no exercício seguinte como "restos a pagar". Às vezes nem esse resíduo é desembolsado. Em 2009, até 16 de abril, os desembolsos corresponderam a 0,8% dos R$ 49,9 bilhões previstos. O valor empenhado chegou a R$ 6,5 bilhões, 13% do total, embora já tenha decorrido mais de um quarto do ano.

A experiência, portanto, se repete: se o governo federal pouco investe, não é por falta de dinheiro. As verbas estão incluídas em sua programação financeira, mas os projetos não deslancham. Apesar disso, o presidente continuará prometendo não cortar um centavo dos investimentos e sua candidata à sucessão, a ministra Dilma Rousseff, continuará sendo apresentada como a grande gerente do programa de obras. Só as obras continuarão faltando, embora muitas sejam inauguradas.