Título: É hora de ousar
Autor: Soros , George
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2009, Opinião, p. A11

Na atual crise, em contraste com a Grande Depressão, o protecionismo prevaleceu inicialmente no mundo financeiro, e não no comércio

A reunião do G-20 a ser realizada em breve é um evento do tipo "tudo ou nada". A menos que apresente medidas concretas para apoiar os países na periferia do sistema financeiro mundial, os mercados mundiais sofrerão mais uma rodada de declínio, assim como ocorreu após o insucesso do secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, em fevereiro, de produzir medidas práticas para a recapitalização do sistema bancário americano.

A atual crise financeira é diferente de todas as outras que já vivemos desde a Segunda Guerra Mundial. Em ocasiões anteriores, sempre que o sistema financeiro chegou à beira de uma colapso, as autoridades agiram em concerto e trouxeram-no de volta da borda do precipício. Desta vez, o sistema realmente quebrou, na esteira do colapso do Lehman Brothers em setembro passado, e teve de ser colocado numa UTI. Entre outras medidas, tanto a Europa como os EUA garantiram efetivamente que não será permitido um colapso de nenhuma outra importante instituição financeira.

Esse passo foi necessário, mas produziu consequências adversas não intencionais: muitos outros países - da Europa Oriental à América Latina, África e Sudeste Asiático - não puderam oferecer garantias analogamente convincentes. Estimulado pela determinação das autoridades financeiras nacionais situadas no centro da economia mundial de proteger suas próprias instituições, o capital fugiu da periferia. Moedas perderam valor, juros subiram, swaps de risco de crédito dispararam. Quando a história desta crise for escrita, ficará claro que, em contraste com a Grande Depressão, o protecionismo prevaleceu inicialmente no mundo financeiro, e não no comércio mundial.

As instituições financeiras internacionais (IFIs) estão agora diante de uma nova tarefa: proteger os países da periferia de uma tempestade proveniente do centro. As IFIs estão acostumadas a lidar com governos; agora precisarão aprender a lidar com o colapso do setor privado. Se não o fizerem, as economias periféricas sofrerão ainda mais do que as situadas no centro.

Os países da periferia tendem a ser mais pobres e mais dependentes de commodities do que os mais desenvolvidos, e devem restituir mais de US$ 1,4 trilhão em empréstimos bancários apenas em 2009. Esses empréstimos não podem ser rolados sem ajuda internacional.

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, reconheceu o problema e colocou-o na agenda do G-20. Mas, no curso dos preparativos da reunião, profundas diferenças de atitude têm vindo à tona, principalmente entre os EUA e a Alemanha.

Os EUA reconheceram que somente utilizando crédito estatal em máxima dose possível poderão reverter o colapso do crédito no setor privado. A Alemanha, traumatizada pela lembrança da hiperinflação na década de 1920 e a resultante ascensão de Hitler em 1930, mostra-se relutante em plantar sementes de inflação futura assumindo pesado endividamento. Ambas as posições estão sendo firmemente defendidas e podem ser amparadas em argumentos que são válidos do ponto de vista dos respectivos países. Mas a controvérsia ameaça perturbar a reunião em 2 de abril.

Deveria ser possível para cada parte respeitar a posição da outra sem abandonar sua própria posição e encontrar terreno comum. Em vez de fixar uma meta universal de 2% do PIB para pacotes de estímulo, seria suficiente um consenso em torno de que os países da periferia precisam de ajuda internacional para proteger os seus sistemas financeiros e praticar políticas anticíclicas. Isso é do interesse comum. Se se permitir que as economias da periferia sofram colapsos, os países desenvolvidos também serão prejudicados.

Tal como estão as coisas agora, a reunião do G-20 produzirá alguns resultados concretos: os recursos do Fundo Monetário Internacional provavelmente serão efetivamente duplicados, principalmente utilizando o mecanismo do Novo Acordo de Empréstimos (NAB, na sigla em inglês), que pode ser ativado sem resolver a incômoda questão da realocação no número de votos nas IFIs.

Isso será suficiente para permitir que o FMI ajude países específicos em apuros, mas não fornecerá uma solução sistêmica sem condicionalidade. Essa solução está prontamente disponível na forma de Direitos Especiais de Saque (SDRs, na sigla em inglês). O mecanismo existe e já foi usado em pequena escala.

Os SDRs são extremamente complicados e de difícil compreensão, mas no fim das contas trata-se da criação internacional de dinheiro. Países em condições de criar seu próprio dinheiro não precisam deles, mas os países periféricos sim. Os países ricos devem emprestar suas alocações de recursos aos países necessitados.

Isso não criaria um déficit orçamentário nos países ricos. Os países beneficiados teriam de pagar ao FMI juros muito baixos: a taxa média composta dos títulos dos tesouros dos países cujas moedas são conversíveis. Eles poderiam usar livremente suas próprias alocações de recursos, mas as IFIs supervisionariam como as alocações concedidas em empréstimos seriam utilizadas, para assegurar que os fundos emprestados sejam bem gastos. É difícil pensar num esquema em que o custo/benefício seja tão favorável.

Além do aumento não recorrente de recursos do FMI, deveria haver emissões anuais substanciais de SDRs, digamos, US$ 250 bilhões, enquanto durar a recessão mundial. Para tornar o esquema contracíclico, as emissões de SDRs poderiam ser recobradas em parcelas, quando a economia mundial revelasse sobreaquecimento. É tarde demais para um consenso sobre a emissão de SDRs na próxima reunião G-20, mas se o esquema fosse proposto pelo presidente Barack Obama e aprovado em princípio pela maioria dos participantes, isso seria suficiente para dar ânimo aos mercados e fazer da reunião um êxito retumbante.

George Soros é presidente da Soros Fund Management. Seu livro mais recente é "O novo modelo dos mercados financeiros". © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org