Título: Perda financeira pode atingir US$ 4 tri
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/04/2009, Economia, p. B3

Relatório do FMI leva em conta prejuízos de bancos e outras instituições financeiras em todo o mundo até 2010

Rolf Kuntz, WASHINGTON

Poderão chegar a US$ 4,1 trilhões até 2010 as perdas totais dos bancos e outras instituições financeiras, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Só as perdas com papéis vinculados a hipotecas imobiliárias americanas devem atingir US$ 2,7 trilhões. Esse valor é US$ 500 bilhões maior que o estimado na revisão de janeiro e US$ 1,3 trilhão superior ao projetado em outubro.

As estimativas cada vez mais sombrias acompanham a piora das condições do mercado global de crédito e o aprofundamento da recessão. Essa piora se reflete, no caso das economias emergentes, em severa redução dos financiamentos.

Os países emergentes precisarão neste ano refinanciar débitos no valor de US$ 1,8 trilhão, mas o fluxo de capitais para esses mercados deve ser negativo em 2009. O Brasil aparece em posição relativamente confortável nesse quadro, com necessidades de refinanciamento equivalentes a 40% de seu estoque de reservas internacionais (atualmente em torno de US$ 200 bilhões).

O cálculo mais amplo das possíveis perdas é baseado em créditos pendentes originários não só do mercado americano, mas também do europeu e do japonês. Os créditos originários da Europa e do Japão correspondem a US$ 31,2 trilhões. Os valores ligados a empréstimos e outros papéis americanos equivalem a US$ 26,5 trilhões, chegando o total, portanto, a US$ 57,7 trilhões.

Cerca de US$ 1 trilhão das baixas para os bancos - estimadas em US$ 2,8 trilhões - já foi contabilizado. O resto deverá aparecer neste ano e no próximo, segundo explicou o chefe do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI, José Viñals.

Outras instituições, como fundos de pensão e seguradoras, também estão sujeitas a prejuízos importantes. As perdas dos fundos de pensão americanos poderão totalizar US$ 200 bilhões, segundo estimaram os autores do estudo. Desde o começo da crise, o valor de mercado dos bancos globais caiu de US$ 3,6 trilhões para US$ 1,6 trilhão.

PRIORIDADES

Limpar os balanços dos bancos, livrá-los dos ativos podres e recompor seu capital são apontados pelos economistas do FMI como prioridades: sem isso, os problemas bancários continuarão pressionando para baixo a atividade econômica e espalhando desemprego pelo mundo. É urgente, afirmam, interromper a queda em espiral dos bancos e da economia.

O relatório indica três linhas de ação prioritárias a curto prazo: 1) garantir liquidez ao sistema bancário; 2) identificar os ativos de baixa qualidade (créditos podres ou tóxicos) e cuidar deles; 3) recapitalizar as instituições enfraquecidas, mas passíveis de recuperação. A primeira tarefa cabe aos bancos centrais. As outras duas cabem a entidades supervisoras e governos, de acordo com o relatório.

O estudo contém duas estimativas do capital necessário para a revitalização dos bancos, considerando-se as perdas e rendimentos potenciais em 2009-2010.

O primeiro cálculo toma como objetivo o retorno ao padrão de operações anterior à crise. Nesse caso, serão necessários US$ 875 bilhões: US$ 275 bilhões para os bancos americanos, US$ 375 bilhões para os da zona do euro, US$ 125 bilhões para os do Reino Unido e US$ 225 bilhões para os de outros países da Europa desenvolvida.

Na segunda hipótese, o padrão de operações, indicado pelo nível de alavancagem, será o de meados dos anos 90. Para isso, será preciso injetar US$ 1,7 trilhão: US$ 500 bilhões nos bancos americanos, US$ 725 bilhões nos da zona do euro, US$ 250 bilhões nos britânicos e US$ 225 bilhões nos demais da Europa industrializada.

Para cada um dos casos é estimado um nível de alavancagem, ou seja, de relação entre o capital tangível e o valor dos ativos tangíveis. A relação é de 4% na primeira hipótese e de 6% na segunda.

O capital necessário diminuirá, naturalmente, se ações preferenciais forem convertidas em ordinárias e se os bancos tiverem garantias oficiais contra perdas.

Houve alguma melhora nos mercados interbancários nos últimos meses, de acordo com o relatório, mas os bancos ainda têm dificuldade para obter recursos de longo prazo. Como consequência, muitas empresas têm sido incapazes de conseguir capital de giro, e empréstimos de longo prazo estão muito caros.

AÇÕES FIRMES

A redução dos empréstimos em relação ao capital disponível - a desalavancagem - será longa e penosa, retardando a recuperação da economia, de acordo com o estudo.

Recessões associadas a crises financeiras são mais prolongadas, especialmente quando a contração ocorre ao mesmo tempo em várias grandes economias, como indicam os casos discutidos no Panorama Econômico Mundial preparado para divulgação hoje.

A situação requer, portanto, ações mais firmes e decisões transparentes dos governos, porque o apoio político às intervenções oficiais tende a diminuir quando o público não vê resultados e desconfia de mau uso de seu dinheiro, advertem os autores do relatório.

O Brasil e outros latino-americanos enfrentam a crise em melhores condições do que noutros tempos, assinala o documento. O México já acertou um financiamento de US$ 47 bilhões da linha de crédito flexível, de acesso fácil e sem condições. O governo colombiano manifestou interesse em obter recursos da mesma fonte.

Os emergentes da Europa Oriental estão em situação bem pior, com crise bancária e problemas de balanço de pagamentos.