Título: Investimento externo na produção cai e aplicação financeira cresce
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/04/2009, Economia, p. B1

Procura por ações e títulos de renda fixa voltou a aumentar em março, com saldo de US$ 844 milhões na Bovespa

Sérgio Gobetti

O Investimento Estrangeiro Direto (IED) foi 39% menor no primeiro trimestre do ano do que no mesmo período do ano passado, de acordo com relatório divulgado ontem pelo Banco Central. Os números da conta de capital mostram que, ao mesmo tempo em que o apetite das empresas estrangeiras por investimentos produtivos está em queda por causa da crise econômica, a procura por ações e títulos de renda fixa brasileiros voltou a aumentar no mês passado, atraída pelas melhores condições oferecidas pelo Brasil.

O fluxo de entradas menos saídas de dólares decorrentes de operações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) foi de US$ 844 milhões em março, primeiro saldo positivo desde maio de 2008. Nos últimos nove meses, entre junho e fevereiro, a bolsa brasileira havia perdido mais de US$ 17 bilhões de investidores estrangeiros.

Os títulos de renda fixa brasileiros, com taxa de juros mais alta do que no resto do mundo, também passaram a ser fator de atração de capitais especulativos. Entre papéis de curto e longo prazos negociados no País, o ganho líquido chegou a US$ 708 milhões em março.

"É possível começar a observar o ingresso de dólares para outros ativos", disse o chefe do Departamento Econômico do BC (Depec), Altamir Lopes, referindo-se aos investimentos em ações e títulos, compensando o menor ingresso de IED.

No acumulado do ano, entretanto, o fluxo de dólares aplicados nesse tipo de papéis continua negativo em US$ 3,5 bilhões, enquanto o IED somou US$ 5,3 bilhões, 39% a menos do que os US$ 8,8 bilhões dos três primeiros meses de 2008.

CONTAS EXTERNAS

O chamado balanço de pagamentos (fluxo total de dólares) encontra-se relativamente estabilizado, já que o déficit em transações correntes, que precisa ser financiado pela conta de capitais, também começou a cair por causa da crise - de US$ 28,16 bilhões no fim de 2008 para US$ 22,9 bilhões em março.

O déficit em transações correntes reflete dois tipos de contas: a comercial, dada pela diferença entre exportações e importações, e a de renda e serviços, explicada principalmente pelos pagamentos de juros sobre a dívida externa e pelas remessas de lucros e dividendos.

O déficit em transações está caindo por dois fatores principais: a redução das importações e a redução das remessas de lucros. No ano passado, no início da crise, as empresas estrangeiras localizadas no Brasil retiraram bilhões de dólares para socorrer suas matrizes, aproveitando o câmbio valorizado e os lucros em alta.

Agora que o real se desvalorizou e os lucros caíram, o volume de divisas enviado das filiais para as matrizes caiu pela metade. No ano passado, as remessas haviam somado US$ 8,7 bilhões no primeiro trimestre; em 2009, foram US$ 3,9 bilhões até agora.

O valor das remessas só não foi menor porque, em março, uma grande seguradora estrangeira (AIG) remeteu cerca de US$ 600 milhões ao exterior. Mas esse valor (e um pouco mais, em torno de US$ 850 milhões) retornou ao País sob a forma de investimento estrangeiro nessa mesma empresa. Ou seja, se não fosse essa "operação casada", o IED e as remessas seriam menores ainda. Do ponto de vista da sustentabilidade das contas externas, esse tipo de movimento é neutro, pois um menor investimento é a contrapartida de um menor déficit em transações correntes.