Título: Reunião do G-8 termina em mal-estar com os emergentes
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/04/2009, Economia, p. B6

Posição dos convidados, como o Brasil, foi ignorada, mas nem os ricos se entenderam

Jamil Chade

Os países ricos não se entendem nem sobre como lidar com a fome no mundo nem com a posição dos países emergentes. Ontem, a primeira reunião entre ministros da Agricultura da história do G-8 (países industrializados) com as economias emergentes, entre elas o Brasil, terminou em fiasco e mal-estar.

Depois de horas negociando uma nova estratégia para lidar com o setor agrícola no planeta, a declaração final do G-8 que será apresentada hoje exclui a posição dos emergentes. Mesmo assim, a estratégia não passa de uma lista de boas intenções, sem compromisso dos governos dos países ricos.

A posição de cada país emergente será apenas citada em um resumo feito pelos italianos, que organizam o evento em Treviso. Segundo diplomatas de países emergentes, o fiasco é uma demonstração da crise de identidade que vive o G-8 depois do surgimento do G-20 e do fortalecimento dos emergentes. Diante da recessão internacional, ficou claro que o novo bloco está ganhando força.

Mas os países ricos insistem em manter os encontros do G-8, apesar das acusações de que já está ultrapassado. Para tentar dar um sinal de abertura, a Itália, que preside o grupo, convidou os países emergentes para a reunião. Eles só não sabiam que suas posições ficariam de fora do texto final.

Um negociador revelou ao Estado que o presidente da conferência, o ministro da Agricultura da Itália, Luca Zaia, nem sequer deu um motivo para a exclusão dos emergentes da declaração. O Brasil não escondeu sua irritação com o processo e o resultado do encontro.

Além dos países do G-8 e do Brasil, também foram convidados para o encontro - que prometeu diálogo real entre emergentes e ricos, a China, a India, o México, a Argentina, o Egito e a África do Sul. "Não sabem ainda o que fazer com nossas posições", disse um negociador sul-americano.

A declaração será anunciada hoje. Mas nenhum novo financiamento para investimentos na agricultura dos países pobres foi aprovado nem a criação de uma administração de um estoque mundial de alimentos, como pedia Itália e França. Até a referência à palavra "protecionismo" foi alvo de polêmica. O Brasil cobrou uma resposta coerente dos países ricos para lidar com a fome no mundo.

A ambiciosa meta do encontro era fechar uma estratégia para evitar a volatilidade dos preços das commodities, garantir estoques aos países mais pobres, reduzir barreiras e distorções e garantir meios para dobrar a produção mundial de alimentos até 2050. Mas europeus e americanos deram sinais de que não se entendem sobre o assunto, nem mesmo entre eles.

Todos concordam em um ponto: a crise alimentar, aliada à recessão, está gerando mais de 1 bilhão de famintos pelo planeta e ameaça desestabilizar o cenário político e de segurança internacional. Mas o que ninguém se entende é como lidar com isso. Italianos e franceses tentaram convencer os demais a criar um estoque mundial de alimentos, como forma de combater os ataques especulativos no setor, que teriam elevado os preços em 2007 e 2008.

Para Michel Barnier, ministro de Agricultura da França, um sistema internacional para administrar as reservas de alimentos deveria ser criado. Mas o governo americano tentou frear a ideia. O resultado deve ser uma referência apenas vaga no texto, pedindo que a ideia de um estoque mundial fosse estudada com mais cuidado. Washington, contrário à administração de qualquer setor agrícola, alertou que o sistema não funcionaria.

Outro problema é a falta de recursos para a compra de alimentos para enviar aos países mais pobres. Ativistas apontam que apenas uma fração dos US$ 22 bilhões de doações prometidos na Cúpula contra a Fome, realizada em 2008, foi concretizada. A FAO alertou que o que necessitaria para atacar a fome seria menos de 1% do que os bancos ganharam durante a crise.

O Brasil ontem cobrou os países ricos para que não reduzem seu financiamento ao desenvolvimento nem o envio de alimentos aos países mais pobres. Para a FAO, a produção de alimentos terá de dobrar até 2050.