Título: Governo torce por queda da Selic para um dígito
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2009, Economia, p. B3

Corte ajudaria a equilibrar as contas públicas

Sérgio Gobetti e Fábio Graner, BRASÍLIA

O Palácio do Planalto está torcendo nos bastidores para que o Banco Central reduza a taxa básica de juros da economia em mais 1,5 ponto porcentual na reunião desta semana do Comitê de Política Monetária.

A medida é defendida não tanto pela sua eficácia na recuperação da atividade econômica, mas por sua repercussão fiscal e, principalmente, pelo seu simbolismo: o de reduzir a taxa Selic para a casa de apenas um dígito (9,75% ao ano) e colocar o Brasil num novo patamar de juros mais compatível com o mundo desenvolvido.

A situação atual de baixa inflação e dívida pública sob controle, segundo fontes da equipe econômica, abriram uma janela de oportunidade para o Brasil reduzir não apenas transitoriamente, durante a crise, mas permanentemente, a taxa de juros.

"Isso não significa que a taxa de juros não subirá no futuro, mas que ela poderá flutuar em torno de um patamar mais baixo que o atual", diz um assessor do ministro da Fazenda Guido Mantega.

Atualmente, o Brasil tem uma das taxas de juros mais altas do mundo. E isso ficou ainda mais nítido depois que os bancos centrais do mundo inteiro decidiram reduzir suas taxas para tentar amenizar os efeitos da crise econômica internacional. Muitos países estão com juros próximos de zero, enquanto a taxa Selic brasileira está em 11,25%.

Mesmo descontando a inflação de cada nação para obter a chamada "taxa real de juros", a diferença contra o Brasil é enorme.

E o que explica essa diferença? Inicialmente, alguns economistas tentavam explicar essa anomalia pelos desarranjos fiscais do Brasil, outros pelas "incertezas jurídicas", mas com o passar do tempo essas teorias se mostraram pouco convincentes. Afinal, países com dívidas maiores do que a brasileira e com muito mais riscos à ordem jurídica se notabilizam por taxas significativamente menores.

Divergências à parte, a situação atual de crise criou uma espécie de consenso, no próprio mercado, a favor de reduções substanciais na taxa de juros. Mas alguns temem (ou preveem) que isso será apenas temporário porque a recente expansão dos gastos públicos e dos créditos direcionados (bancos públicos) tenderia a pressionar os juros para cima quando a crise passar.

EQUILÍBRIO

"Os juros precisarão subir para sua taxa de equilíbrio quando a economia se normalizar, a não ser que haja uma mudança estrutural para melhor. Mas isso não ocorrerá se o componente fiscal e parafiscal, representando um terço da economia, continuar bombando quando não precisa mais", avalia o economista Fernando Montero, da corretora Convenção.

Apesar do aumento de gastos e da queda das receitas, o núcleo dirigente do Ministério da Fazenda avalia que a dívida pública foi reduzida para um patamar (36% do Produto Interno Bruto) que elimina qualquer dúvida sobre sua sustentabilidade. E a queda dos juros, complementa, contribui significativamente para reduzir o custo do endividamento.

"Mas é difícil saber de antemão se os juros se estabilizarão em um patamar significativamente menor", diz uma outra fonte do governo.

A própria duração da crise ainda é uma incógnita. O mais provável, admitem técnicos da equipe econômica, é que os sinais mais evidentes de recuperação só apareçam no quarto trimestre do ano.

Tanto que, no próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, a ser divulgado em maio, é possível que a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) seja novamente revista para baixo.

No início do ano, o governo trabalhava com uma meta de 4%, recentemente reformulou sua estimativa para 2%, mas ninguém acredita que o PIB possa crescer mais do que 0,5% em 2009. Além disso, a deflação dos índices de preço no atacado, que influenciam o movimento futuro de preços ao consumidor, sinaliza que a meta de inflação de 2010 poderá ser cumprida com folga.

Diante desse quadro, os juros podem manter-se em um nível mais baixo por um bom tempo ainda. "É possível cortar 1,5 ponto porcentual agora sem qualquer risco. Com a Selic em 9,75%, o BC até ganha credibilidade e respeitabilidade para reduzir menos os juros depois", resume uma fonte do governo.

FRASES

Fernando Montero Economista da Corretora Convenção

"Os juros precisarão subir para sua taxa de equilíbrio quando a economia se normalizar, a não ser que haja uma mudança estrutural para melhor. Mas isso não ocorrerá se o componente fiscal e parafiscal, representando um terço da economia, continuar bombando quando não precisa mais"

Fonte do governo "Com a Selic em 9,75%, o BC até ganha credibilidade e respeitabilidade para reduzir menos os juros depois"

CADEIA ECONÔMICA

Impactos da taxa de juros

Atividade econômica Em tese, os juros mais baixos podem incentivar o nível de produção por dois meios (barateando o consumo e os novos investimentos), mas na situação atual de crise não adianta reduzir o custo do dinheiro se os bancos resistem em emprestar e as pessoas e empresas resistem em tomar emprestado.

Inflação

Juros mais baixos também podem ser um risco à inflação em momentos em que a demanda está muito aquecida, o que não é o caso atual; ao contrário, alguns índices de preços no atacado já apontam deflação e indicam que existe folga para cumprir a meta de inflação de 4,5% não só em 2009 como 2010.

Taxa de câmbio

Se a taxa de juros no Brasil é mantida bem mais alta do que no resto do mundo, isso incentiva os investidores estrangeiros a aplicarem seus dólares no nosso País, principalmente em títulos da dívida pública. A entrada de dólares ajuda a fechar as contas externas, mas também pode pressionar o real a se valorizar desproporcionalmente em relação ao dólar, criando novos problemas para os exportadores.

Equilíbrio fiscal

Mais da metade dos títulos da dívida pública estão atrelados à taxa Selic definida pelo Banco Central; ou seja, quanto mais baixa a Selic, menor é o custo que o governo paga por sua dívida. Se o custo é mais baixo, o governo pode manter sua dívida equilibrada mesmo reduzindo o seu superávit primário (economia para pagamento de juros), como anunciado recentemente.

Poupança

Se a taxa de juros cair abaixo dos 10%, o rendimento líquido dos fundos de renda fixa mantidos pelos bancos poderia ficar menor do que o da caderneta de poupança, que equivale a 0,5% ao mês mais variação da TR. Atualmente, a poupança está rendendo cerca de 7,3% ao ano.

Estabilidade macroeconômica

A redução da Selic no Brasil pode criar no mercado financeiro um ambiente favorável a uma redução permanente (e não apenas transitória) dos juros, o que aproximaria o custo do dinheiro no Brasil daquele praticado no desenvolvido.