Título: Spread alto leva à inadimplência
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/04/2009, Economia, p. B3

Fiesp mostra que taxa de fevereiro ?representou 72% do valor dos juros médios das operações de crédito livre?

Marcelo Rehder

Diferentemente do que dizem os bancos, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) considera que os elevados spreads (diferença entre a taxa de juros cobrada pelos bancos e a que eles pagam para captar recursos) vigentes no País é que causam a inadimplência, e não o contrário.

"A comparação entre as séries históricas nos aponta que o aumento do spread bancário leva a um aumento da inadimplência, com três meses de atraso", afirma José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp.

Roriz Coelho observa que os bancos aumentaram o spread porque estão trabalhando com a perspectiva de que a inadimplência vai aumentar ainda mais este ano. "É uma profecia que se autorrealiza."

Segundo estudo feito por Roriz, com base em dados do Banco Central, em fevereiro os spreads cobrados em todas as operações de crédito subiram para 29,7 pontos porcentuais, 3,4 pontos acima do registrado em setembro.

"O spread cobrado em fevereiro representou 72% do valor dos juros médios das operações de crédito livre, a maior participação da série histórica do Banco Central", frisa o diretor da Fiesp.

A discussão do spread pela Fiesp abre a semana em que o Banco Central vai definir a nova taxa básica de juros (Selic). A expectativa é de um corte de 1,5 ponto porcentual na taxa, para 9,75% ao ano. Mas já se fala em corte de 1 ponto ou 0,75.

O governo tem defendido publicamente uma redução acelerada da Selic, como forma de incentivar a economia brasileira a atravessar a crise financeira mundial da melhor forma possível. Tanto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu Antonio Francisco de Lima Neto da presidência do Banco do Brasil, por causa justamente das altas taxas de juros e spread cobrados pela instituição. "O País percebeu não apenas que a Selic é alta, mas que muito mais alto e fora da curva é o spread cobrado pelos bancos", diz Roriz Coelho.

Em março, os spreads bancários recuaram para 28,5 pontos porcentuais,1,2 ponto a menos que em fevereiro, informou na semana passada o BC. A queda, no entanto, foi considerada tímida pelo mercado.

"Nosso spread ainda é o mais alto do mundo", admite o ex-economista chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e sócio da Integral Trust, Roberto Troster. "É muita espuma para pouca cerveja", compara, bem humorado, o economista.

COMPETITIVIDADE

Os empresários reclamam que os juros altos representam forte componente de custos que tira a competitividade do produto brasileiro tanto no mercado doméstico como no exterior. "Mais grave e menos visível é o incentivo ao capital especulativo em detrimento do produtivo", diz Mário Bernardini, assessor econômico da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Bernardini esclarece que uma aplicação em títulos do governo, que hoje rendem 11,25% ao ano, garante sem qualquer risco ao investidor uma remuneração maior do que a de uma atividade produtiva. Segundo ele, nos últimos quatro anos o retorno sobre o faturamento na média da indústria brasileira não passou de 8% ao ano.

Desde outubro, quando os efeitos da crise financeira mundial se alastram no País, a Indústria Brasileira de Televisores, dona da marca Cineral, já reduziu em 40% a produção na Zona Franca de Manaus. "Diante da alta dos juros e da escassez de crédito para capital de giro, não tivemos outra opção que não fosse reduzir a produção", conta o presidente da empresa, Abdo Antonio Hadad.

Para Roriz Coelho, da Fiesp, a afirmação do governo de que o Brasil está em melhores condições em relação ao resto do mundo só é em parte verdadeira, mais precisamente no que diz respeito às condições macroeconômicas.

"Na prática, a situação do nosso consumidor é muito pior, e a do nosso setor produtivo, pior ainda, porque o custo do capital no País é muito mais alto e a carga tributária é enorme." Ele cita que para comprar uma televisão a prazo, o consumidor brasileiro é obrigado a pagar o preço de três, por conta dos juros embutidos na operação.