Título: Os amortecedores da crise
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2009, Notas & Informações, p. A3

O Brasil voltará a crescer mais cedo que a maior parte dos outros países, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). O País não ficou imune à maior crise internacional desde a depressão dos anos 30, mas tem resistido razoavelmente aos impactos da turbulência internacional. Câmbio flexível, metas de inflação, alguma disciplina fiscal, realismo na acumulação de reservas e uma forte regulação financeira serviram para amortecer os choques. Todos esses fatores são reconhecidos internacionalmente. Se o governo souber preservar a imagem de solidez da economia brasileira, evitando medidas imprudentes, também esse cuidado contribuirá para a recuperação da atividade e do emprego.

As projeções do FMI para o Brasil pioraram desde janeiro, quando as estimativas globais de outubro foram revistas para baixo. Segundo os novos cálculos, a economia brasileira deverá encolher 1,3% neste ano e crescer 2,2% em 2010. Esses números constam do Panorama Econômico Mundial divulgado na quarta-feira.

As novas previsões são bem menos otimistas que as do governo brasileiro - crescimento de 2% em 2009 e de 4,5% em 2010 -, mas não refletem uma piora na avaliação dos fundamentos econômicos do País. As estimativas para o Brasil foram reduzidas porque as perspectivas da economia mundial foram revistas, explicou o diretor adjunto do Departamento de Pesquisa do FMI, Charles Collyns. A produção global, segundo os novos cálculos, deve diminuir 1,3% este ano e expandir-se 1,9% no próximo.

Essa média será sustentada pelos emergentes, porque a recuperação dos países mais avançados será muito mais difícil e demorada, se as condições do mercado financeiro não mudarem mais rapidamente do que se espera. Para as economias mais desenvolvidas a expectativa é de contração de 3,8% em 2009 e de crescimento zero em 2010. Haverá, portanto, alguma recuperação no mundo rico no próximo ano, mas a volta a um ritmo normal de crescimento só será percebida no fim do período.

A recuperação do Brasil dependerá em grande parte de três fatores fora do controle de suas autoridades. O primeiro e mais importante será a normalização do sistema financeiro nos Estados Unidos e na Europa. Os governos do mundo rico ainda têm pela frente um pesado trabalho de limpeza dos balanços dos bancos, ainda contaminados pelos créditos podres, e de capitalização das instituições financeiras.

Se os governos tiverem êxito nesse trabalho, a reativação das economias mais avançadas será facilitada. Recessões tendem a ser mais longas e mais profundas quando associadas a crises financeiras e quando grandes economias se contraem simultaneamente. Pelas projeções atuais, a reativação será lenta e o desemprego deverá continuar aumentando até o próximo ano, quando chegará a 9,2% nas economias avançadas e a 10,1% nos Estados Unidos.

O terceiro fator é o comércio mundial. O FMI projeta para este ano uma contração de 11% na quantidade de bens e serviços transacionados no mercado global. Para o próximo ano está previsto um crescimento de apenas 0,6% - e a partir de uma base muito deprimida. A contração do comércio afetará severamente, como já vem afetando, os grandes exportadores de produtos básicos, como o Brasil e a maior parte dos países latino-americanos, mas não só esses. A Rússia, com uma contração econômica de 6% projetada para este ano, sofre os efeitos da forte depreciação do petróleo (queda de 46,6% nos preços em dólares estimada para 2009 e recuperação de 20,2% em 2010).

Embora os principais fatores externos estejam fora de seu alcance, as autoridades brasileiras poderão continuar agindo para estimular a economia. O Banco Central ainda terá espaço para reduzir os juros básicos, mas isso dependerá, em parte, de como o Executivo conduzir a política fiscal. Haverá espaço no orçamento para o governo investir na infraestrutura, mas não se os gastos de custeio continuarem crescendo como até agora. Será importante evitar uma piora da relação entre a dívida pública e o PIB. Além disso, será conveniente facilitar as exportações, por meio da redução de impostos e de entraves burocráticos e de uma oferta razoável de financiamento. Se o crescimento depender apenas do mercado interno, aumentará o risco, por enquanto muito pequeno, de problemas cambiais.