Título: Câmbio já favorece planejamento
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2009, Economia, p. B3

Após um início de ano tumultuado, relativa estabilidade do real torna ambiente mais previsível para as empresas

Marcelo Rehder

Um dos fatores que mais atrapalhou a economia brasileira nos últimos meses foi a instabilidade do real. Sem uma cotação firme, as empresas não conseguiam planejar e muitas se viram forçadas a sentar na produção, à espera de um cenário mais previsível. Nas últimas semanas, com a relativa estabilidade do dólar ao redor de R$ 2,20, criou-se um ambiente mais favorável para as empresas que têm negócios vinculados à moeda americana. As que mais tiram proveito são as que dependem de importação.

A fabricante de meias e lingerie Lupo viu nesse nível do dólar uma oportunidade para antecipar a aquisição de máquinas importadas da Itália, no valor de US$ 6,5 milhões, que inicialmente estava prevista para ocorrer no fim do ano. "O dólar estável facilita principalmente os pagamentos futuros, que é o que importa", diz Valquirio Cabral Jr., diretor comercial da empresa.

Com as novas máquinas, a Lupo vai aumentar em 25% a capacidade de produção de lingerie, que hoje é de 700 mil peças por dia, e em 7% a fabricação de meias (8 mil pares por dia). Além do câmbio mais estável, pesou na decisão a demanda aquecida no mercado doméstico. "Nunca vendemos tanto para um inverno como agora", diz Cabral. "Só em março, o crescimento foi de 31% em relação a igual período de 2008."

Para o empresário Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, a trajetória recente da taxa de câmbio se reflete de forma positiva no cotidiano de muitas empresas e traz alívio para segmentos voltados para o mercado interno que dependem da matérias-primas e insumos importados, como é o caso do setor moageiro. Hoje, o Moinho Pacífico importa 80% de todo o trigo que processa, vindos preferencialmente da Argentina.

"A economia brasileira está indo bem em comparação com o resto do mundo e a nossa moeda deverá se fortalecer em relação ao dólar", diz Pih. Ele projeta para o segundo semestre a cotação do dólar em R$ 2,00. "Esse cenário facilita muito o nosso planejamento de médio e longo prazos."

O dólar fechou a semana passada em R$ 2,19. Em agosto, antes da crise, estava em R$ 1,50. Em dezembro, chegou a bater em R$ 2,50.

Para as empresas, planejar em dólar é importante porque permite definir preços de forma que seus produtos sejam competitivos para exportação ou venda no mercado interno. Tudo o que elas não querem é um câmbio instável. No caso das que dependem de insumos e matérias-primas importadas, o problema em períodos de câmbio volátil é não saber, por exemplo, se estão comprando os produtos por R$ 2,15 ou R$ 2,30.

EXPORTAÇÕES

No entanto, a preocupação com a valorização do real ainda assombra os exportadores. "A questão é que o dólar não está estável e ainda é um ponto de interrogação muito grande", diz José Rubens de La Rosa, diretor geral da Marcopolo, uma das maiores fabricantes de carroceria de ônibus do mundo.

O executivo argumenta que o dólar estava em R$ 2,33 na virada do trimestre e em apenas 16 dias corridos já caiu para R$ 2,20, na sexta-feira. "Essa baixa é uma flutuação muito grande, que atrapalha de forma expressiva o processo de precificar", diz de La Rosa. "Acho importante o governo estar atento para essa oscilação tão brusca e não deixar que caia muito".

Boa parte dos exportadores considera razoável um dólar estabilizado na faixa de R$ 2,10 a R$ 2,20 para manter a competividade das vendas externas. "Não atrapalha nossas exportações nem cria problemas para as empresas que dependem de componentes importados", diz José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Vitopel, maior fabricante de embalagens plásticas flexíveis da América Latina.

Na verdade, a vida dos exportadores não está fácil, principalmente por causa da retração da demanda mundial e da escassez de crédito para financiar sua vendas no exterior. Embora os exportadores brasileiros tenham hoje um custo bem menor do que tinham com o dólar acima dos R$ 1,50 de agosto de 2008, os mercados passaram a comprar menos e, com isso, há uma oferta maior de produtos.

Para a Vitopel, que destina 60% de suas exportações para os Estados Unidos, a demanda externa no entanto continua bastante aquecida, apesar da recessão que se instalou nos principais mercados compradores, sobretudo no americano.

"Nosso produto é basicamente destinado a embalagem de alimentos e os Estados Unidos são grandes compradores porque têm um déficit anual de 250 mil toneladas nessa área", explica Roriz Coelho.

O executivo conta que o volume de exportação da Vitopel hoje é três vezes maior do que era no início do ano. Com isso, a participação das vendas externas no faturamento da empresa, que representou 19% em 2008, deverá saltar para 25% .

A situação é bem diferente para muitas das exportadoras. Na HVM do Brasil, fabricante de componentes para iluminação em neon, as vendas despencaram. "As exportações no primeiro trimestre tiveram queda de 30% em relação ao ano passado", diz Mauritius Dubnitz, presidente da empresa.