Título: Brasília é ilha de prosperidade na crise
Autor: Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/04/2009, Economia, p. B6

Com renda per capita de primeiro mundo, Distrito Federal prepara grandes obras, estimadas em US$ 20 bilhões

Vannildo Mendes

A renda per capita de primeiro mundo (R$ 34,7 mil anuais), puxada por altos salários de uma massa de servidores públicos estáveis, combinada com boa infraestrutura e apetite de consumo, estão transformando Brasília num inesperado eldorado de negócios. À margem da crise que sacode as economias mais sólidas, Brasília está atraindo gigantes do mercado e tornou-se, nos últimos anos, um imenso canteiro de obras públicas e privadas.

São 600 obras em andamento, de um total de 1.722 iniciadas ao longo dos últimos dois anos. Centenas de outras, entre elas a nova sede da Pepsi no Brasil e a primeira fábrica de insulina da América Latina, estão saindo do papel. Mas a grande novidade é a antecipação para este ano da licitação de três projetos gigantescos - um centro financeiro internacional, um parque tecnológico e uma cidade aeroportuária -, com investimentos estimados de US$ 20 bilhões, a maior parte do setor privado.

Só a cidade aeroportuária, inspirado no terminal de Hong Kong, deve consumir cerca de US$ 18 bilhões ao longo de cinco anos. Além de um novo aeroporto - o atual será destinado só ao tráfego doméstico, o projeto inclui a construção do maior terminal de cargas do país. O local terá ainda um complexo industrial e será servido por um sistema de integração multimodal (ferroviário, rodoviário e aeroportuário).

Um grupo anglo-americano já comunicou interesse em tocar o empreendimento por causa do potencial da cidade. Os sinais de vitalidade econômica são tantos que o governo local antecipou para este ano etapas do planejamento previsto para o biênio 2010-2012, segundo o secretário de Desenvolvimento, Adriano Casinello Amaral. "Estamos fazendo pesados investimentos em infraestrutura viária, energia, habitação e educação para atender essa espiral de crescimento", disse.

Para o vice-governador Paulo Octávio, o Distrito Federal tem vocação de indutor de desenvolvimento e reúne todas as condições para puxar a retomada do crescimento no País. "Aqui empresário não anda de carro blindado", disse ele, referindo-se à paranóia de segurança de outros pólos econômicos, como São Paulo.

Por ser capital do País, sede dos três Poderes, tombada como patrimônio cultural da humanidade, Brasília sempre teve mercado imobiliário aquecido. Mas desde 2008, mesmo depois que a crise mundial se agravou, a capital vive um boom sem precedentes. Segundo dados do Sindicato da Indústria da Construção Civil Sinduscon-DF, foram lançados no ano passado 91 empreendimentos, entre prédios de apartamentos, comerciais e garagens, totalizando 10.480 unidades.

Foi um recorde histórico em volume simultâneo de obras, só superado por São Paulo. Mas não bastou e o estoque de oferta, que em dezembro de 2007 era de 10.960 unidades, caiu para 5.925 em dezembro de 2008, o pior dos últimos 20 anos, causando imediata alta de preços. Assustado com a crise, o voraz consumidor brasiliense comprou 15.405 unidades no período, afetando o estoque.

Com o aumento da renda e do emprego formal em 2008 na cidade, aliado ao pacote de estímulo ao crédito lançado pelo governo contra a crise, o boom imobiliário ganhou mais combustível este ano. Os empreendimentos agora se espalham do Plano Piloto à periferia. O bairro de Águas Claras, com 350 edifícios prontos e outros 150 em construção, lidera a fase dourada do mercado. O governo foi forçado a criar novos bairros.

A coqueluche do momento é o Setor Noroeste, destinado à classe média alta. Mas os lançamentos atingem todos os segmentos de renda e chegaram com força também às cidades satélites mais populosas, como Gama, Ceilândia e Samambaia. A consequência imediata foi a alta de preços, o que não chegou a inibir os negócios. O metro quadrado dos lançamentos no novo bairro está cotado em até 10 mil. Um apartamento de 100 metros quadrados custará entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão.

Responsável por 80% dos financiamentos para construção, reforma e ampliação de residenciais, o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) confirma a performance da capital. Em janeiro passado, Brasília mordeu uma fatia de R$ 175 milhões, 22% do total financiado pelo sistema no País. Só ficou atrás de São Paulo, que abocanhou R$ 475 milhões, 59% dos empréstimos habitacionais da carteira.