Título: Reserva corta raízes de casal
Autor: Lacerda, Angela
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/04/2009, Nacional, p. A11

Pecuarista terá de deixar seu lar após 82 anos

Roldão Arruda, NORMANDIA

Para algumas famílias de Roraima, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol tem o amargo gosto das diásporas. É o caso da família de Adolfo Esbell.

Ele nasceu 82 anos atrás numa casinha às margens do Inamará, igarapé de água escura e fresca que corre no sopé das montanhas que separam o Brasil da Guiana, no norte de Roraima. O pai era venezuelano e a mãe, brasileira, de origem indígena. Ali cresceu, casou, teve 16 filhos, criou gado, cultivou arroz e feijão, fincou raízes que sonhou serem para sempre. Seu sonho desmoronou, porém, no último dia 25.

Foi quando o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua e deu prazo de pouco mais de um mês para todas as famílias não-indígenas saírem da área, levando seus pertences. O nome de Esbell figurava na lista dos expulsos.

O prazo de saída vence amanhã. Mas, até ontem à tarde, Esbell e a esposa, Zilda, de 80 anos, não haviam mudado nada na rotina da área herdada dos pais e que tem 320 hectares. No final da tarde, o rebanho de 150 cabeças de gado já estava recolhido. Ao escurecer, alguns dos filhos, que moram na cidade de Normandia, a dois quilômetros dali, foram visitá-los.

"Aqui é o meu lugar, o lugar do meu gosto, o lugar onde quero ficar, onde moram meus filhos", disse Esbell. "Sempre me dei bem com os índios, eles não têm nenhuma queixa de mim. Foi aqui que conheci minha mulher, de quem eu gosto cada dia mais. Nesta quarta feira faz 60 anos que estamos juntos."

As instituições do governo que estão cuidando da remoção dos não indígenas ofereceram a Esbell R$ 134 mil de indenização pelas benfeitorias da fazenda e uma área de 280 hectares, num assentamento da reforma agrária, a quase duas centenas de quilômetros dali. É um lugar de difícil acesso, estradas precárias, sem luz elétrica. "Nem fui ver. Pelo que me disseram, não é lugar para mim", disse ele. No domingo passado, ao visitar Esbell, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) ficou impressionado com sua história. Foi ele quem inspirou o deputado a encaminhar um pedido ao STF para que dê mais tempo para a saída das pessoas com mais de 80 anos que vivem na reserva.