Título: Esse tal mercado controla o Banco Central
Autor: Abreu, Beatriz; Monteiro,
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2009, Economia, p. B3

Para economista, País não tem nenhuma fonte de inflação hoje. Por isso, Copom poderia ter cortado o juro em 1,5 ponto

Leandro Modé

O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto avalia que o Comitê de Política Monetária (Copom) foi conservador ao reduzir a taxa Selic em um ponto porcentual. "Podia ter feito até 1,5 ponto", disse ao Estado.

Como analisa a decisão?

Era o mínimo que o Copom poderia fazer. Há um espaço imenso em termos de oferta e uma deficiência de demanda gigantesca. Não há nenhuma fonte de inflação. Podia ter feito até 1,5 ponto. A única restrição é o problema da taxa de juro real da caderneta de poupança. Estamos quase no limite e não será possível manobrar (o juro) sem enfrentá-lo.

O mercado elevou os juros futuros, mas reduziu as projeções para a inflação. Não é contraditório?

Quem leva a sério o mercado?

O Banco Central, por exemplo.

Só o Banco Central. Aquilo é um processo incestuoso. Esse tal mercado controla o Banco Central. O Banco Central não controla coisa alguma. Essa história de que o Banco Central controla as expectativas inflacionárias é o maior blefe que nós temos hoje.

E a história de que o BC terá de subir o juro em 2010?

Seria muito bom se o Brasil voltasse a crescer, mas não seria preciso elevar o juro. Essa coisa de o sujeito dizer que vai ter inflação em 2012 é ridícula. Não existe política monetária científica. Isso é falsa ciência e tem um custo enorme.

Muitos dizem que o juro real nesse nível é insustentável.

De onde eles tiram essa ideia? Qual a razão para o Brasil ser um país teratológico para ter a maior taxa de juros do mundo? A taxa de juros real aqui será da ordem de 3% ao ano, como no mundo inteiro.

Há medo do crescimento no País?

Como se calcula produto potencial? Usando o produto do passado. É exatamente o produto que o Banco Central não deixou crescer. Ele prejudicou o passado e, desse passado, conclui que acertou.

O sr. disse ao ?Estado? recentemente que ainda dava para salvar 2009. Ainda dá?

Naquele momento, havia três quartos de ano para trabalhar. Agora temos dois terços. Continua a mesma coisa. O que vai ser 2009 continuará dependendo do que fizermos em 2009.

Já fizemos o suficiente?

Infelizmente, acho que o Banco Central é responsável por uma parte importante da redução do nível de atividade. Claro que o Brasil ia ter uma redução. O País vinha rodando a 5,5%. Podia ter recuado para 3%. Cair para 1,3% foi porque o Banco Central não usou seus instrumentos adequadamente. Usou sempre na direção certa, mas atrasado e com disposição homeopática.

E as medidas fiscais?

Não tem política fiscal nenhuma. O governo está sendo arrastado para isso - e não é só o governo brasileiro. Estamos com o déficit nominal controlado e o superávit primário de 2,5% do PIB mantém a relação dívida/PIB onde está, se o PIB cair 1% e a taxa de juro real média for de 6% no ano. É claro que poderia ser muito melhor. O governo poderia não ter expandido tanto os gastos de custeio, podia ter centrado tudo no investimento. Temos de fazer um negócio mais virtuoso, nada mais.

Como o sr. vê o cenário externo?

Estamos melhorando. No caso brasileiro, os sinais de que estabilizou são visíveis. Estamos seguramente melhores do que em dezembro e em janeiro. Ainda há um longo caminho para recuperar o crescimento, mas certamente estabilizou.

Teme uma recaída lá fora?

Não, mas a situação é complexa. Não vamos voltar mais para aquele nível de entusiasmo de 2007, quando havia uma bolha. Mas o mundo voltará a crescer 3% daqui um ano e meio, dois, se tanto.