Título: Em 12 anos, União banca subsídio de R$ 184,5 bi nas dívidas de Estados
Autor: Bramatti, Daniel
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2009, Nacional, p. A4

Ao assumir débitos estaduais, nos anos 90, governo federal passou a receber juros inferiores aos que paga ao mercado

Daniel Bramatti

Quando um banco faz um empréstimo, tem por norma cobrar juros maiores que os que paga ao captar dinheiro. Nos últimos 12 anos, o governo federal tem agido de forma inversa em relação aos Estados: empresta a juros inferiores aos que paga ao mercado.

Enquanto os bancos faturam com altos spreads, o governo arca com subsídios - que, desde 1997, já somam R$ 184,5 bilhões, concedidos a 24 Estados e ao Distrito Federal. Esse subsídio ocorre sempre que a taxa Selic, que corrige o que a União deve a bancos e investidores, fica maior que o índice de correção das dívidas que a mesma União tem a receber dos governos estaduais.

Para se ter uma ideia de dimensões, o subsídio acumulado - calculado pelo Tesouro Nacional a pedido do Estado - supera os orçamentos anuais somados de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois Estados mais ricos do País. Equivale a 4,5 vezes o orçamento do Ministério da Educação. Se convertido em dólares, é cinco vezes maior que o valor do socorro concedido pelo governo norte-americano à gigante General Motors.

A renegociação do final dos anos 90 evitou que Estados quebrassem e estabeleceu duas condições que eles dificilmente obteriam do mercado: juros fixos por 30 anos e um teto para o pagamento mensal, proporcional à arrecadação. Mas os governadores nunca se mostraram satisfeitos e, de tempos em tempos - como agora -, pressionam por mais concessões.

O que alimenta a nova onda de lobby é a queda da taxa Selic - acelerada pela crise econômica -, que elimina o subsídio federal. Proporcionalmente, as dívidas estaduais - corrigidas por juros de 6% ao ano, combinados com a variação da inflação medida pelo IGP-DI, na maioria dos casos - acabam ficando caras.

O líder informal desse movimento é o governo de Mato Grosso. Em abril, uma reunião de todos os secretários estaduais de Fazenda aprovou por unanimidade - com a abstenção do Rio de Janeiro e do Espírito Santo - a proposta mato-grossense de exigir uma série de mudanças nas condições dos empréstimos. Em resumo, os Estados querem pagamentos mensais menores, além de corrigir o estoque da dívida por juros mais baixos e por outro índice de inflação, o IPCA.

"Não podemos aceitar que os nossos cofres sejam sangrados a cada mês", disse Eder Moraes, secretário da Fazenda de Mato Grosso. Entre outros pontos, ele propõe que o índice de correção das dívidas seja trocado do IGP-DI pelo IPCA com efeitos retroativos, ou seja, desde o início dos contratos. Com isso, de um dia para o outro, os Estados passariam a dever cerca de R$ 100 bilhões a menos.

O governo federal, como seria de se esperar, não gostou da ideia. O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, lembrou que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe expressamente outra renegociação entre os entes da Federação.

"Lei é feita para mudar", disse o secretário da Fazenda de Minas Gerais, Simão Cirineu Dias, porta-voz do tucano Aécio Neves no debate com o governo federal. "Se há um item que está errado, por que não mudar?", questionou o secretário, deixando de lado o fato de o PSDB ser o "pai" da Lei de Responsabilidade Fiscal e sempre ter zelado por sua preservação.

Dias ressaltou ainda que não há consenso em torno da necessidade de mudar a legislação para obter novas condições de pagamento da dívida. "Alguns juristas dizem que é possível mudar o índice de correção sem mexer na lei", argumentou. O mato-grossense Eder Moraes também vê espaço para contornar a barreira legal: "Não queremos dinheiro novo nem prazo maior, só promover o reequilíbrio nos contratos", disse.

O secretário de Fazenda do Rio, Joaquim Levy, tem a mesma opinião. "Apenas trocar o IGP-DI pelo IPCA não caracterizaria uma renegociação", afirmou. Mas acaba aí a sintonia de discurso entre ele e os demais secretários.

Levy, que já esteve do outro lado do balcão - foi secretário do Tesouro Nacional de 2003 a 2006, quando zelava pelo estrito cumprimento dos deveres dos Estados -, critica a proposta de mudar a taxa de juros dos contratos. "É cedo para se dizer que 6% ao ano é uma taxa cara", afirmou, lembrando que a União carrega um risco ao indexar sua dívida à Selic, enquanto Estados têm a garantia de pagar um juro fixo, mesmo em momentos de crise.

O secretário se distancia ainda mais de seus pares ao avaliar como "absurda" uma eventual troca retroativa do índice de correção das dívidas. "Qualquer negociação tem de visar o futuro. Como dizia o ministro Pedro Malan, o Brasil é o único país em que até o passado é incerto."

Procurada para se manifestar sobre as dívidas estaduais, a Secretaria da Fazenda de São Paulo não quis comentar o assunto.