Título: Plano habitacional deixa esqueletos
Autor: Pacheco, Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2009, Economia, p. B6

O PAR, programa bilionário administrado pela Caixa, faz dez anos com denúncias em várias regiões do País

Paula Pacheco

Ao mesmo tempo que se esforça para dar robustez ao Minha Casa, Minha Vida, um pacote ambicioso para construir 1 milhão de habitações, o governo federal mantém há uma década um programa para construir casas para pessoas de baixa renda, que provocou polêmica e deixou pendências por todo o País.

O Programa de Arrendamento Residencial (PAR), uma das principais fontes de recursos da União para moradia popular, começou sob o comando da Caixa Econômica Federal e mais tarde também passou a fazer parte das atribuições do Ministério das Cidades.

Em dez anos o programa recebeu R$ 7,275 bilhões para a compra de 1.731 empreendimentos - o equivalente a 271.825 unidades habitacionais. Neste ano o orçamento será de R$ 1 bilhão. De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), em dezembro havia 18 obras paradas. Assim como a Caixa, a CGU não informa quantas obras tiveram problemas ou foram questionadas pelo Ministério Público em dez anos de programa.

Os críticos do programa dizem que por não ser obrigado a abrir licitações, o PAR deu margem a muitas irregularidades. São comuns, dizem os críticos, casos de empreiteiras que não tinham condições de tocar o serviço e quebraram no meio das obras, deixando os conjuntos inacabados. Também foram apontados sérios problemas na qualidade do material de construção e das obras.

No Maranhão, o procurador federal Serguei Medeiros Araújo conseguiu na Justiça que se tornasse obrigatória a realização de licitação das obras do PAR. A decisão só vale para o Estado. "Não há nenhuma justificativa para dispensar a licitação. A Constituição determina que haja o processo licitatório. Assim se poderia obter propostas mais vantajosas economicamente e com mais qualidade."

Procurador de Guarulhos, na Grande São Paulo, Matheus Baraldi Magnani reuniu várias histórias de descaso. Ele estima: "São centenas de milhões de reais desperdiçados no País com o PAR". Só na sua região até o momento são seis projetos com problemas - em Guarulhos, Poá e Mogi das Cruzes. Em um dos casos, o conjunto habitacional custou R$ 6 milhões. Um dia depois de concluído precisou de mais R$ 2 milhões para reparos de uma obra malfeita.

Para Magnani, os problemas só vão acabar "quando o PAR acabar". "Quem está fiscalizando o material que essa gente usa nas obras? É dinheiro do trabalhador. Aí a Caixa vai lá e contrata construtoras falidas."

O procurador cita um caso em Mogi das Cruzes. Foram lançados pelo PAR os empreendimentos Mogi Moderno, Jardim Santa Teresa 1 e 2 e Costa do Sul. Esse último começou a ser executado pela construtora Cálio & Rossi, que faliu durante as obras. O projeto parou até que a Caixa contratasse a Cormaf Construções, que abandonou a obra "após receber recursos públicos", segundo a ação. Coube à Concrelite concluir a edificação. Nos outros três empreendimentos, o banco contratou uma empresa, a Construmeg, que também quebrou.

Entre idas e vindas, as despesas da Caixa com os dois condomínios do Jardim Santa Teresa e o Mogi Moderno, que seriam de R$ 11,2 milhões, aumentaram em cerca de R$ 3 milhões por conta da necessidade de novos aportes de recursos.

"A contratação de construtoras falidas é recorrente. Falta à Caixa um órgão técnico para acompanhar de perto o PAR. A ideia é oferecer moradia barata e rápida, mas o PAR aponta que não é de qualquer forma ou a qualquer custo. Que sirva de alerta para o Minha Casa, Minha Vida", diz o procurador.

Em Vila Velha (ES), o MPF acionou a Caixa e a construtora Littig Engenharia para que providenciassem reparos no condomínio Praia do Sol II, com vazamentos e rachaduras, de acordo com a ação federal.

Há queixas contra o PAR também em Sergipe. Apesar do tamanho do Estado, nos últimos dois anos o procurador da República Bruno Calabrich reuniu quatro empreendimentos com problemas. "As principais reclamações são por falhas na construção dos imóveis e pela baixa qualidade do material. A Caixa deveria ser mais rigorosa na fiscalização da construção e na administração dos empreendimentos", diz.

Em outro caso, a Justiça sergipana condenou a Caixa a interromper a prática da venda casada nos contratos habitacionais. Era comum, diz a procuradoria, que o banco impusesse mais de um produto ou serviço em um mesmo contrato de financiamento de imóveis pelo Sistema Financeiro de Habitação e pelo PAR. A decisão, do início de abril, é nacional.

Em Pernambuco, um dos projetos do PAR, o Conjunto Residencial Aderbal Galvão, ganhou o apelido de "prédio caixão". O motivo: a qualidade precária da obra, segundo o MPF.

No Sul do País, a Justiça Federal condenou há dois anos a Caixa e a construtora Anarpos a reformarem o loteamento Nova Aurora, em Chapecó (SC). A explicação é a mesma: problemas na infraestrutura.

Procurada dois dias antes da conclusão da reportagem, a Caixa alegou que não havia tempo para esclarecer as dúvidas sobre o programa.