Título: Alta da bolsa deixa analistas surpresos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2009, Economia, p. B3

Com a valorização de 6,59% ontem, ganho da bolsa supera 34% no ano

Leandro Modé e Márcia de Chiara

Muitos analistas afirmam, desde o segundo semestre do ano passado, que o mercado brasileiro seria um dos primeiros a se beneficiar de uma melhora do cenário econômico-financeiro global. Mas nem o mais otimista deles apostava em altas tão expressivas do Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) em tão pouco tempo.

O indicador disparou ontem 6,59% e fechou pela primeira vez acima de 50 mil pontos desde setembro, quando o banco de investimentos americano Lehman Brothers quebrou, provocando o caos já conhecido. Entre o dia 27 de outubro, quando o Ibovespa atingiu o menor nível dos últimos anos (29.435 pontos no fechamento), e ontem, o avanço chega a 71,23%.

"A alta (de ontem) foi surpreendente, pois vínhamos de um mês de forte valorização", disse o analista de investimentos da Spinelli Corretora Jayme Alves, lembrando dos ganhos de quase 16% do Ibovespa em abril - no ano, já são 34%.

O movimento foi novamente liderado pelos investidores estrangeiros, que veem no Brasil uma ótima oportunidade em comparação com o resto do mundo neste momento. Até a última quinta-feira, as compras de ações por parte desses investidores superavam as vendas em R$ 4,5 bilhões no acumulado do ano. Somente em abril, o saldo chegava a R$ 3,1 bilhões.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, explicou que o País é bem visto porque tem um mercado interno forte (mais ainda depois das medidas governamentais de estímulo ao consumo), tem resistido bem à crise (graças a fundamentos considerados sólidos) e por causa de suas relações comerciais crescentes com a China.

Ontem, aliás, uma informação relacionada ao gigante asiático foi a grande responsável pelo otimismo. Um indicador que mede a atividade industrial chinesa teve em abril a primeira expansão após oito meses seguidos de baixa. "O número mostra a resposta do país aos incentivos econômicos do governo", observou o estrategista de Renda Variável da Infinity Asset Management, George Sanders. "A expansão chinesa beneficia diretamente o Brasil."

Como se sabe, a China é grande importadora de matérias-primas, como petróleo e minério de ferro. Miguel Daoud, economista-chefe da Global Financial Advisor e especialista em China, diz que o fato de o Brasil ser um país com um grande excedente exportável de commodities atrai a confiança dos investidores estrangeiros.

Não à toa, algumas das ações que mais se valorizaram na Bovespa ontem foram de empresas ligadas a esses setores. Os papéis ordinários (ON) da Vale saltaram 10,86%. No mercado internacional, o barril do petróleo subiu 2,4%, para US$ 54,47, maior cotação de 2009.

Não se pode esquecer que o pano de fundo para que essas razões estruturais venham à tona é a melhora de percepção sobre o sistema financeiro dos Estados Unidos. Na quinta-feira, o governo americano deve divulgar os resultados dos testes de estresse aos quais foram submetidos 19 bancos.

Informações antecipadas pela imprensa americana dão conta de que todos deverão precisar de mais capital. "Mesmo assim, o mercado não se tem mostrado preocupado porque há a percepção de que os valores necessários não são nada de absurdo. Por isso, não há pânico", explicou Sanders.

Mas nem todos os especialistas se mostram confortáveis. Lima Gonçalves, do Fator, é um deles. "A situação no mercado imobiliário americano ainda está ruim, o que significa que o desemprego continuará crescendo, com impacto negativo sobre o balanço dos bancos", disse. Ele reconhece, porém, que alguns fatores amenizam um pouco esse temor.

O primeiro deles é o fato de os bancos americanos captarem dinheiro hoje a custo praticamente zero. "Algum retorno eles têm ao emprestar", observou. O outro fator é a disposição - reiterada inúmeras vezes - do governo americano de não deixar mais que bancos importantes quebrem.

TENDÊNCIA

Incertezas à parte, os analistas acreditam que, apesar das fortes altas recentes, a tendência para a bolsa brasileira ainda é de valorização. "Seria saudável uma realização de lucros, mas, pelo que temos sentido de fluxo, não parece que ocorrerá em breve", afirmou Alves.

No exterior, o Índice Dow Jones, o mais tradicional da Bolsa de Nova York, subiu ontem 2,61% e a bolsa eletrônica Nasdaq, 2,58%. O Índice Dax, de Frankfurt, avançou 2,79%.