Título: Amorim defende acordo com Chavéz
Autor: Samarco, Christiane; Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2009, Economia, p. B1

No Senado, oposição volta a atacar a entrada da Venezuela no Mercosul

Denise Chrispim Marin, BRASÍLIA

Como meio de desgastar as polêmicas de ordem político-ideológica de desarmar o Senado na tramitação do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul, o Itamaraty pretende concluir "o grosso" da negociação pendente dos acordos comerciais entre os governos venezuelano e brasileiro nos próximos dias 19 e 20, em Brasília. Trata-se de uma negociação emperrada há dois anos. O propósito de avançar nesses acordos foi expresso pelo chanceler Celso Amorim durante um debate de quatro horas, ontem, na Comissão de Relações Exteriores do Senado, que foi acalorado pelas duras críticas disparadas pela oposição contra o presidente venezuelano, Hugo Chávez.

A oposição questiona benefícios comerciais do ingresso da Venezuela ao bloco, levantaram dúvidas sobre o possível veto de Chávez a acordos celebrados pelo Mercosul com outros parceiros, como Israel, e insistiram na incompatibilidade de seu governo com a Cláusula Democrática. Relator do projeto, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) alegou que a personalidade de Chávez complica esse processo de adesão e chegou a associá-la à do líder alemão Adolph Hitler.

"Se a Europa tivesse prestado mais atenção à personalidade de Hitler, talvez alguns dos desenganos não tivessem ocorrido. Não estou comparando, mas apenas indicando a importância da personalidade", afirmou Jereissati. "Não estaríamos negociando com a Venezuela se o presidente Chávez fosse uma espécie de Hitler ou de (Joseph) Stalin", rebateu Amorim, ao agregar na comparação o líder máximo da União Soviética entre 1922 e 1953.

À imprensa, Jereissati assinalou que não pretende sugerir que a Comissão de Relações Exteriores rejeite a adesão da Venezuela ao Mercosul no relatório que apresentará em duas semanas. Essa predisposição tende a despejar no vazio as ponderações feitas pela oposição. Em especial, a alegação do senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) de que a Venezuela não é um interlocutor confiável e a advertência do senador Fernando Collor (PTB-AL) de que Chávez empreende uma "paulatina caminhada ao autoritarismo", em contradição com o Mercosul.

Em sua defesa da causa, Amorim desviou-se de análises sobre a personalidade de Chávez e argumentou que seu governo organizou 12 eleições "livres e legitimadas" por observadores internacionais desde 1998 e elevou o Indicador de Desenvolvimento Humano (IDH). Apesar de apresentar dados sobre o comércio bilateral, que gerou um superávit de US$ 5 bilhões ao Brasil em 2008, o chanceler não chegou a referendar a tese de que esse fluxo seria prejudicado pela rejeição do ingresso da Venezuela ao Mercosul. Conforme afirmou, a Venezuela não impõe nenhuma resistência aos produtos brasileiros.

A conclusão das negociações comerciais pendentes há dois anos, a rigor, deverá dar mais substância ao encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, em 26 de maio, na Bahia. A conclusão dessa etapa é precondição para a inclusão formal do país vizinho ao bloco. Os debates envolvem o cronograma de antecipação do livre comércio entre o Brasil e a Venezuela de 2017 para 2014, a absorção da nomenclatura de bens usada pelo Mercosul e a incorporação, por Caracas, das normas do bloco e dos acordos firmados com outros parceiros. Quanto ao primeiro tema, o próprio Amorim deixou claro o grau de dificuldade: a Venezuela queria manter 1.500 itens como sensíveis, com liberalização postergada, enquanto o Brasil insiste em uma lista de 1.000. Até o momento, Caracas concorda em baixá-la para 1.181 e examina o corte de mais 47 itens.