Título: O projeto de lei de defesa da concorrência
Autor: Sampaio, Onofre Carlos de Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2009, Espaço Aberto, p. A2

Encontra-se em discussão no Senado Federal projeto de lei que, aprovado na Câmara dos Deputados, visa a reformular integralmente o sistema criado pela Lei nº 8.884/94, que trata da defesa da livre concorrência.

Na Câmara Alta, em audiência pública e em manifestações outras, foram apontados aspectos positivos do projeto e levantadas questões que estão a merecer cuidado dos srs. senadores.

Entre os aspectos positivos ressalta a disposição que determina a apresentação a priori dos atos de concentração, sujeitos ao crivo do sistema, o que deverá evitar que as autoridades se defrontem com a ocorrência de situações, já consolidadas, de difícil ou impossível reversão. Espera-se também que com essa inovação as decisões, sobretudo nos casos mais simples, possam ser agilizadas.

Também se deve considerar apropriado o estabelecimento de mandatos de quatro anos, não renováveis e não coincidentes, para os conselheiros, com o que se evitará tanto a síndrome da renovação de mandatos quanto o fato de todos saírem ao mesmo tempo, gerando insegurança jurídica aos administrados.

No que diz respeito aos aspectos que justificam melhor exame, inscreve-se a previsão de que o tribunal, nova denominação dada ao atual Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), poderá deliberar pelo voto de apenas três conselheiros, quórum considerado diminuto para um plenário de seis conselheiros e um presidente.

Além disso, chama a atenção a atribuição de competência singular ao presidente do tribunal para, em casos de vacância, nomear conselheiro substituto sempre que a composição do órgão ficar reduzida a quatro membros ou menos.

Nesses casos, em razão da extrema redução do quórum de deliberação, numa sessão de julgamento em que viessem a votar apenas três membros, dois terços dos votos a serem prolatados, portanto, a maioria, adviriam do próprio presidente e do conselheiro por ele singularmente nomeado, o que seria inapropriado.

Também no caso de vacância do cargo de superintendente-geral caberia, exclusivamente, ao presidente do tribunal a nomeação do interino, cujos poderes e atribuições seriam os mesmos do ocupante efetivo do cargo, o que implicaria que o presidente do órgão julgador, sozinho, nomeasse a autoridade que iria investigar, acusar e instruir os processos de cujo julgamento ele próprio participaria.

Outra questão deixada sem solução pelo projeto diz respeito à atribuição de voto de qualidade ao presidente, sem disciplinar a sua utilização, fato que, existente na lei atual, já ensejou longa discussão no Judiciário, com críticas à possibilidade de o presidente votar duplamente, empatando e desempatando, ele próprio, a deliberação do colegiado.

No capítulo da Superintendência-Geral, prevista para substituir a atual Secretaria de Direito Econômico (SDE), seria conveniente que o projeto exigisse para o preenchimento do cargo de superintendente-geral, agora com outorga de mandato e poderes substancialmente ampliados, tratar-se de servidor público aprovado em concurso, com especialização na área, condição que poderia ser estendida aos superintendentes adjuntos.

Também a nomeação do procurador-chefe da Procuradoria Federal junto ao Cade, assim como a do economista-chefe seriam feitas em conjunto pelo superintendente-geral e pelo presidente do tribunal, o que resultaria em compartilhamento impróprio de atribuições, tanto na nomeação quanto na subordinação dos nomeados.

Na questão procedimental, o projeto outorga à Superintendência-Geral competência para instaurar "inquérito administrativo" com vista à apuração de possível infração à ordem econômica, podendo ela mesma arquivá-los, sem necessidade de recorrer "de ofício" ao tribunal, o que enfraquece o controle ora existente sobre tal procedimento.

O projeto atribui, ainda, à Superintendência-Geral a propositura de Termo de Compromisso de Cessação, a ocorrer apenas e tão somente até o encerramento da instrução processual, e não como está previsto na lei vigente, que determina o encaminhamento das propostas pelos interessados diretamente ao órgão julgador, podendo ser apresentadas até o início da sessão de julgamento, o que favorece a sua realização.

A essas questões, entre outras, que precisam ser devidamente aquilatadas pelos srs. senadores, soma-se a necessidade, não menos importante, de que avaliem os riscos e as possíveis consequências de se realizar uma tal integração das estruturas da Superintendência-Geral e do tribunal, com o mencionado compartilhamento de poderes e atribuições entre o superintendente e o presidente do tribunal, tendo em vista a necessidade de preservar a igualdade de armas entre acusação e defesa e a isenção de quem tem de julgar.

Vale lembrar que a vantagem de vir a dispor de um único "guichê" para as questões concorrenciais, com a junção das estruturas da atual SDE e do Cade, não justifica que se desconsiderem as observações acima referidas, pois, como tem alertado o Supremo Tribunal Federal, a excessiva aproximação e o compartilhamento de atribuições entre quem acusa e quem, com isenção, deve julgar pode comprometer o respeito ao devido processo legal e aos direitos e garantias a que todo cidadão e toda empresa fazem jus.

Como se pode ver, não será fácil a tarefa dos srs. senadores de aperfeiçoar o projeto em discussão, sobretudo considerando-se a especificidade da matéria e os riscos inerentes a reformar inteiramente, de uma só vez, uma sistematização legal que, salvo alguns poucos pontos a serem melhorados, vem-se mostrando à altura das exigências atuais e que, se vier a ser mal reformulada, poderá trazer insegurança jurídica e grandes transtornos ao País, em momento em que a sociedade, como um todo, e as empresas aqui estabelecidas, em particular, já enfrentam enormes dificuldades e incertezas.

Onofre Carlos de Arruda Sampaio é advogado em São Paulo