Título: Algo se move
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2009, Nacional, p. A6

Dora Kramer, dora.kramer@grupoestado.com.br

Demorou, mas aos três meses de crise ininterrupta no Congresso, começam a surgir na Câmara e no Senado os primeiros - não obstante ainda débeis - sinais de reação ao que já se desenhava como um programa de desmoralização voluntária.

Uma espécie de ciranda corporativista em que as mãos estendidas sujavam umas às outras.

Dois fatos parecem ter tido o condão de romper esse pacto macabro: na Câmara, a zombaria do relator do processo contra o deputado Edmar Moreira no Conselho de Ética e, no Senado, o depoimento do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi, montado à imagem e semelhança de uma típica operação abafa.

O senador Artur Virgílio, líder do PSDB, denunciou de pronto: "Foi uma farsa. Você coloca chefiados para ouvir o chefe, e eles não fazem as perguntas que devem ser feitas."

Apoiado pelos senadores Pedro Simon, Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque e Mão Santa, Virgílio reagiu à ausência de um representante do Ministério Público no interrogatório conduzido pela Polícia Legislativa que nada perguntou a Zoghbi sobre a acusação de que ele e a mulher, Denise, usaram uma babá como laranja em empresas para contratos ilícitos com o Senado.

O tucano agora ameaça pedir uma CPI para investigar o caso e também a denúncia feita pelo casal à revista Época contra o ex-diretor-geral Agaciel Maia. Ele comandaria um esquema de licitações fraudulentas com o conhecimento de dois ex-primeiros-secretários da Casa, os senadores Romeu Tuma e Efraim Morais.

No depoimento Zoghbi e a mulher, acompanhados do advogado, desmentiram o que haviam dito ao repórter Andrei Meirelles sem a presença de um defensor legal.

Se as denúncias são verdadeiras ou não é uma história a ser esclarecida. Mas, em princípio, os senadores que pedem uma investigação mais acurada têm óbvias razões para reclamar.

Nesta altura, qualquer dito que seja tomado por não dito sem uma explicação convincente só faz aprofundar descrédito em relação ao Parlamento. E o silêncio dos senadores deixa no ar uma impressão de proposital omissão, autorizando a generalização das suspeitas.

Na Câmara pelo visto começou a haver o mesmo tipo de compreensão. No primeiro momento calados, alguns deputados do Conselho de Ética e o corregedor ACM Neto resolveram se contrapor à atitude do deputado Sérgio Morais de defender a absolvição sem investigação de Edmar Moreira, por estar se "lixando para a opinião pública".

Alegação oficial é a da nulidade do "juiz" que anuncia sua decisão antes do julgamento e ao arrepio do processo de apuração dos fatos. Mas o motivo real foi o constrangimento a que Sérgio Morais submeteu a instituição como um todo.

Não foi o primeiro a fazê-lo nem suas declarações se configuraram a vergonha já produzida nas dependências do Poder Legislativo. Mas, talvez por traduzir o sentimento impresso nos desmandos da maioria, pode ter feito o papel da gota d?água.

Queira assim o bom senso e que essas reações representem apenas o início de um processo de entendimento da missa por inteiro.