Título: Deputado que se lixa é destituído
Autor: Leal, Luciana Nunes
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2009, Nacional, p. A4

Em reunião tensa, Moraes é substituído na relatoria do Conselho de Ética pelo petista Nazareno Fonteles

Luciana Nunes Leal

Apesar dos apelos por uma solução negociada, "sem vencedores e vencidos", e da tropa de choque de petebistas escalada para defender o companheiro de partido, o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), destituiu ontem o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) da relatoria do processo contra o ex-corregedor da Câmara Edmar Moreira (sem partido-MG). Moraes, que disse se "lixar" para a opinião pública e não vê motivos para condenar Moreira, será substituído por Nazareno Fonteles (PT-PI). A substituição foi anunciada ao fim de quase três horas de uma tensa reunião marcada por ataques à imprensa.

Na véspera da reunião, confiante, Araújo anunciou que poria em votação requerimentos do DEM e do PSOL pela substituição de Moraes. Ontem, porém, o resultado era incerto, com muitos conselheiros pedindo o adiamento da decisão. Araújo anunciou então que não cabia votação dos requerimentos, pois o pedido era direto ao presidente, que tinha a prerrogativa de decidir sozinho. "Eu já tinha meu juízo formado. A maioria concorda comigo. Ele (Moraes) perdeu a capacidade de ser relator", disse ao deixar a sala do conselho. O entendimento dos defensores da saída do relator é de que ele emitiu um prejulgamento e antecipou o parecer pela absolvição de Moreira.

"Você me sacaneou", protestou Moraes, ao cruzar com o presidente do conselho na saída. "Foi para te poupar", respondeu Araújo. Ao apresentar os argumentos para não aceitar abrir mão da relatoria, Moraes chegou a pedir desculpas por ter dito que estava se "lixando para a opinião pública", mas disse que não voltou atrás na declaração. "A frase não foi boa, foi acalorada, infeliz. Peço desculpa porque não disse para a população nem para os deputados. Agora, não a retiro e volto a falar se for necessário", afirmou o petebista gaúcho. Pouco antes, ele tinha usado a mesma expressão para atacar a imprensa, a quem acusa de deturpar suas palavras. "Tô me lixando para aquilo que estão escrevendo ou vão escrever", afirmou. Logo depois de ser anunciado novo relator, Fonteles seguiu no caminho oposto ao do antecessor. "Só sou deputado graças à opinião pública", declarou. E prometeu atuar "mais com o silêncio que com a palavra".

Conhecido por ser dono de um castelo de R$ 25 milhões, registrado em nome dos dois filhos, Edmar Moreira é suspeito de ter se apropriado indevidamente de recursos da verba indenizatória a que cada deputado tem direito.

No mês passado, Fonteles foi citado no escândalo das passagens aéreas por causa da emissão de bilhetes para Paris e Miami em nome de pessoas que o deputado disse não conhecer. Ele demitiu uma assessora que confessou ter passado os créditos das companhias aéreas a pessoas não autorizadas e a participação de um mercado clandestino de venda de passagens. "Exonerei a assessora, ela revelou a máfia que tem aqui dentro. Quero que o Ministério Público e a Polícia Federal investiguem a fundo. Eu estou limpo", afirmou o deputado.

CRONOLOGIA

2/2/2009

O deputado mineiro Edmar Moreira, então no DEM, é eleito segundo-vice-presidente e corregedor da Câmara. Ele invoca o "vício da amizade" e defende o fim dos julgamentos na Casa dos pedidos de cassação

3/2

Moreira não teria declarado à Receita um castelo em Minas, de R$ 25 milhões. Ele diz que imóvel está em nome dos filhos

7/2

É revelado que, entre 2007 e 2008, Moreira gastou R$ 230,6 mil da verba indenizatória com segurança

9/2

Sob pressão, Moreira renuncia à corregedoria

12/2

ACM Neto (DEM-BA), que assumiu o cargo de corregedor no lugar de Moreira, recebe pedido do PSOL para apurar se houve irregularidades no uso da verba indenizatória. O deputado é desfiliado do DEM

22/2

Caso de Moreira leva a Câmara a abrir dados de gastos com verba indenizatória na internet

11/3

Corregedor cria comissão de sindicância para investigar o deputado do castelo

12/3

Para receber a verba indenizatória, Moreira apresentou notas fiscais eletrônicas das empresas Itatiaia Ltda. e Ronda Ltda., de sua propriedade. Ele diz que serviço era sigiloso e pagamentos eram em dinheiro, sem comprovante

31/3

Mesa Diretora encaminha ao Conselho de Ética parecer da comissão de sindicância que aponta indícios de uso irregular da verba indenizatória por Moreira, que passa, então, a responder a processo por quebra de decoro

29/4

STF indefere pedido de extinção do inquérito contra Moreira por apropriação indébita de contribuições previdenciárias entre 1997 e 1998. Ele não teria repassado ao INSS o desconto salarial de funcionários de uma de suas empresas de segurança

5/5

Presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PR-BA), convida Moreira para depor

6/5

O deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), relator no Conselho de Ética do processo de quebra de decoro parlamentar contra Edmar Moreira, diz não ver razões para condenar o colega. E afirma: "Estou me lixando para a opinião pública"

7/5

Após declaração, deputados e técnicos do Conselho de Ética iniciam movimento para tirar de Moraes a relatoria do processo contra Moreira. O deputado gaúcho, que recebeu da indústria do tabaco a maior parte das doações (59%) para sua campanha, responde a duas ações no Supremo. Nos processos, ele foi acusado pelo Ministério Público de ter cometido crimes de responsabilidade na época em que era prefeito da cidade de Santa Cruz do Sul (RS)

Deputado do castelo vira réu de ação no Supremo, que aceita denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra ele por suspeita de apropriação indébita de contribuições previdenciárias e crime contra a ordem tributária

Ontem

Sérgio Moraes é destituído da relatoria do processo de Moreira no Conselho de Ética. Antes, pede desculpas aos colegas pelo "exagero" da declaração. "A frase não foi boa, foi acalorada, infeliz." O novo titular é o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), que promete agir "mais com o silêncio que com a palavra"