Título: Crise mundial torna chineses mais agressivos no comércio
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2009, Economia, p. B6

Com excesso de produtos em estoque, concorrência do país prejudica o Brasil

Paula Pacheco

A perda de fôlego da economia mundial não inibiu a China. Ao contrário. Tornou o país asiático mais agressivo. Atolada de produtos até o pescoço por causa do cancelamento de encomendas das grandes economias, a saída foi concentrar esforços em outras regiões, como a América Latina, o que atrapalha a vida do Brasil no mercado interno e nos países que compram a produção nacional.

Quando a visita do presidente Lula à China foi anunciada, parte do setor produtivo nacional esperava que o governo levasse na bagagem alguns acordos pré-negociados. Deve ser assinado um acordo para a produção de aviões da Embraer na fábrica asiática e outro para o setor de carnes. "Isso não representa nada. Quando a China quiser, simplesmente deixa de comprar a carne brasileira. Já as encomendas à Embraer vão gerar emprego para os chineses", analisa o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Segundo o especialista, a balança comercial brasileira, que aponta queda de 17,17% nas importações da China, não é motivo para tranquilidade. "A China está com mais apetite. Só houve retração porque caiu o número de pedidos de bens de capital. Já os bens de consumo continuam invadindo o Brasil."

Gerente de uma grande importadora de São Paulo, que desenvolve e vende confecções no País e fabrica na China, Claudio Burghera diz que os asiáticos estão mais maleáveis nas negociações em razão da dificuldade de vender aos países mais debilitados. "Antes era mais difícil fazer encomendas mais variadas e em volumes menores. Além disso, houve uma redução média nos preços de 10%."

Paulo Camargos, sócio da Camargos Representações, atende a empresas da região do Brás, centro de São Paulo, com as confecções asiáticas, especialmente as chinesas. Ele confirma a informação de Burgher. "Eles estão mais agressivos. Como os volumes são muito grandes, basta a China fazer um ajuste nas margens de lucro e o país continua competitivo."

Apesar de ser sua principal fonte de negócios, Camargos é um defensor da indústria nacional. "Eu odeio o importado. A abertura do mercado brasileiro ajudou a modernizar o parque industrial, mas em muitos casos, como o têxtil, acabou com os empregos."

A indústria têxtil é uma das mais ameaçadas. Segundo a Abit, que representa as empresas do setor, em abril as importações de roupas da China, em dólar, aumentaram 18,36% na comparação com 2008. Em toneladas, a alta foi de 21,92%.

Para Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Abit e da empresa Cedro e Cachoeira, o momento é crítico. "A China está mais agressiva no Brasil e nos países para onde exportamos." Segundo ele, o Brasil não tem importância nos negócios da China. "Representamos apenas 1% das trocas comerciais deles."

Desde dezembro, a Abit tenta renovar com o país, sem sucesso, o acordo de restrição voluntária. No caso de um aumento de exportações ao Brasil, a China concordaria em frear o volume de pedidos por conta própria. "Seria bom que o governo chinês concordasse em harmonizar as estatísticas e criasse um certificado de embarque para evitar que mercadorias produzidas em outros países, como o Vietnã, venham para o Brasil via China", analisa.

Na indústria de calçados, também há muita queixa. As importações chinesas, segundo o governo, cresceram 36,6% no primeiro quadrimestre de 2009, ante 2008. Este é um dos setores que alertaram o governo para a concorrência desleal. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, dos 22 pedidos de investigação de dumping da indústria brasileira, 9 são contra a China.

O pedido dos calçadistas foi encaminhado ao governo em dezembro e o processo, segundo Milton Cardoso, presidente da Abicalçados, que representa os fabricantes, já tem 20 mil páginas. "Existe um excedente de estoque na China, e o Brasil é um dos destinos. Nem com o câmbio saltando de R$ 1,60 para R$ 2,20 as importações deixaram de aumentar."

Ao mesmo tempo que os sapatos chineses desembarcam no Brasil, ocupam espaço em mercados que tradicionalmente se abastecem da mercadoria nacional. É o exemplo de Argentina, Venezuela e México. No caso da Argentina, o problema, segundo Cardoso, é que o governo deixou de dar a licença automática às exportações brasileiras. Pelo acordo, o Brasil poderia ter até 75% das importações de calçados argentinos. Mas hoje é a China quem manda, com 60%.

No aço, a situação não é diferente. A China, seguida pela Ucrânia, está super ofertada de aço e resolveu mirar o Brasil. De janeiro a abril, as compras de laminados de ligas de aço, por exemplo, explodiram, com alta de 530,92%. Desde o início do ano o setor tenta negociar com o governo uma sobretaxa para o produto chinês.

NÚMEROS

17,7 % foi a queda das exportações do Brasil para a China

18,36 % foi o aumento das exportações chinesas de têxteis para o Brasil

21,92 % foi o aumento das exportações chinesas de têxteis ao Brasil, em toneladas

36,6 % foi o aumento das exportações chinesas de calçados ao Brasil