Título: Falta espírito na coisa
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2009, Nacional, p. A6
O presidente Luiz Inácio da Silva não deixa de ter razão: algo há por trás da CPI da Petrobrás.
Quando defendeu a tese do "algo mais", a ideia do presidente era atirar só no PSDB, mas ele acabou acertando na essência de uma questão mais ampla: se há dúvidas sobre as razões da oposição, também há incertezas a respeito do comportamento da situação.
Aqui da plateia não deu para captar o espírito da coisa com clareza. Nada faz muito sentido. Menos ainda depois que o governo reagiu como se os tucanos tivessem anunciado a aproximação do fim do mundo e, ao mesmo tempo, manifestado absoluta tranquilidade, "receio nenhum", com o desenrolar da CPI.
Se não existe temor de nada, por que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, considera que uma investigação para apurar a ocorrência de irregularidades na Petrobrás significaria necessariamente a "desmoralização" da empresa?
Segundo ele, o PSDB quer investigar para desmoralizar e depois privatizar a Petrobrás. Terá o ministro percebido que deu por perdida a eleição presidencial de 2010? Sim, porque para vender a empresa será necessário o PSDB assumir o governo.
Ganhando, venderia uma empresa desmoralizada na bacia das almas. Não faz sentido. A menos que a intenção seja desde já pôr o debate da sucessão nos termos postos quando do segundo turno da disputa entre Lula e Geraldo Alckmin.
O governo invoca a falta de patriotismo da oposição e lamenta, como fez o presidente, que a CPI seja feita "em momento de ouro na área do petróleo".
Ora, se o momento é de ouro a situação será de diamante quando não restar a menor dúvida de que a Petrobrás anda na mais estrita linha. O fato de ser a maior empresa do País não lhe dá salvo-conduto para transgredir. Ao contrário, pois não?
Sobre as motivações oposicionistas levantam-se algumas possibilidades. Lula aventou logo de início que a CPI teria o objetivo de desviar o foco das atenções, há três meses fixado sobre o Congresso.
Embora seja a hipótese mais óbvia, não é lógica. Primeiro, porque tal interesse não seria só do PSDB, mas de todos os partidos, inclusive os governistas.
Segundo, seria uma operação estranha a montagem de uma bomba de potencial atômico para desmontar o feixe de dinamites ao lado.
Terceiro, é inútil. Denúncia boa tem espaço com CPI ou sem CPI. Aliás, é no clima de barata voa mesmo que o ambiente fica mais propício à troca de acusações.
Onde há disputa de posições e os ânimos entram em estado de ebulição, os pactos de boa convivência tendem a se dissolver e uma grande crise pode dar lugar a uma crise monumental.
Outra possibilidade seria a alteração da pauta: no lugar do Congresso estaria o governo na berlinda, alvo de um tema feito na medida para se iniciar o embate de 2010. Além dos defeitos da hipótese anterior, esta criaria um perigo adicional: o da oposição abrir ao governo a chance de carimbar o PSDB como "inimigo" da Petrobrás, um símbolo caro ao consciente e ao inconsciente do coletivo nacional.
Nunca se pode descartar a alegação oficial: pode ser que o interesse do PSDB seja mesmo investigar a fundo a Petrobrás.
Nesse caso, teria de entrar mais bem armado no combate a fim de dar conta da agenda: fraudes em licitações, desvios no pagamento de royalties, acordos suspeitos com usineiros, irregularidades em contratos para construção de plataformas, sonegação de impostos, superfaturamentos nas obras da nova refinaria em Pernambuco e ilícitos na concessão de patrocínios.
Isso sem a parceria do DEM, com o PMDB na posição dúbia de sempre, a tropa de choque do vale-tudo nos calcanhares, a mentira institucionalizada como arma de defesa nas CPI e uma inequívoca preferência pelo panorama visto de cima do muro.