Título: Ministério da Justiça pede veto da emenda 19
Autor: Madueño, Denise
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2009, Economia, p. B8

Parecer afirma que a proposta é incentivo à impunidade, já que impede a punição de servidores que favoreçam instituições financeiras

Denise Madueño

O Ministério da Justiça recomendou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que vete a proposta, aprovada pelo Congresso, que dá carta-branca a ministros de Estado, presidentes do Banco Central e funcionários públicos para adotar medidas excepcionais, em situações de risco para o mercado financeiro, sem que sejam punidos - ainda que as decisões resultem em prejuízos aos cofres públicos e favoreçam instituições financeiras.

Parecer elaborado pela assessoria do ministério aponta seis ilegalidades na Emenda 19, aprovada durante a votação da Medida Provisória 449, que trata de renegociação de dívidas com a União. O prazo para sancionar ou vetar a proposta termina na primeira semana de junho.

O parecer afirma o seguinte: ao determinar que naquelas situações excepcionais os agentes públicos não respondam civil e criminalmente por atos de improbidade administrativa, a proposta impede a fiscalização e a responsabilização do agente público por atos criminosos.

""A única forma de avaliar se o agente público, no exercício das suas funções, está fazendo prevalecer o interesse individual sobre o interesse público é submeter seus atos ao controle administrativo ou jurisdicional"", argumenta o parecer, citando o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

O documento ressalta que a proposta vai acabar livrando da Justiça não apenas os funcionários de governo, mas também as pessoas beneficiadas pelos atos praticados pelos agentes públicos, mesmo as que estão respondendo a processo ou já tenham sido condenados por irregularidades. ""Se o fato praticado não é crime e seu autor não responde por ele, tal regra é extensiva aos coautores, que também não podem cometer um crime que não existe"", observa o parecer.

Na defesa do veto, o parecer explica a situação didaticamente, usando como exemplo uma situação em que ""um agente público desvia o dinheiro em razão do cargo para beneficiar terceiros, como o proprietário de um banco"". Num caso como esse, explica o parecer, hoje é possível transmitir ao coautor, no caso o proprietário do banco, o mesmo crime de peculato, desde que ele tenha contribuído para sua prática.

Além disso, o documento argumenta que a transformação da proposta em lei vai gerar impunidade e provocar o arquivamento de processos em andamento, sem o exame caso a caso pelo juiz - e até mesmo beneficiar réus já condenados pela Justiça. ""É fundamental perceber que a emenda pode beneficiar os agentes públicos que estão sendo processados ou foram condenados pela execução de medidas excepcionais consideradas crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Isso porque se aplicaria o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica"", diz o parecer.

Para reforçar o argumento, o parecer cita o art. 2º do Código Penal: ""A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado"".

Para o Ministério da Justiça, a Emenda 19 é inconstitucional porque restringe a responsabilidade do agente público apenas aos casos de má-fé. ""Só é possível avaliar se o agente público agiu com dolo ou má-fé mediante um procedimento judicial ou administrativo, onde haja possibilidade de produção de provas e se assegure o direito ao contraditório e a ampla defesa"", afirma o documento.

A proposta também vai causar insegurança jurídica porque não especifica os crimes, mas apenas quem se beneficiaria da aplicação da lei. ""A emenda apenas reconhece a excludente na situação dos agentes incumbidos da execução de medidas excepcionais com o propósito de assegurar liquidez e solvência do Sistema Financeiro Nacional, de regular o funcionamento dos mercados de câmbio e de capitais e de resguardar os interesses de depositantes e investidores, não indicando para quais crimes ela se aplica.""

Entenda a emenda 19 O que diz a emenda aprovada pelo Congresso:

""Art. A hipótese de exclusão da ilicitude prevista no inciso III do art. 23 do Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, aplica-se aos agentes públicos incumbidos da execução de medidas excepcionais com o propósito de assegurar liquidez e solvência ao Sistema Financeiro Nacional, de regular o funcionamento dos mercados de câmbio e de capitais e de resguardar os interesses de depositantes e investidores.

Parágrafo único. No cumprimento das medidas excepcionais referidas no caput deste artigo, os agentes públicos não responderão civilmente ou com base na Lei nº. 8.429, de 2 de junho de 1992, salvo nos casos de dolo ou comprovada má-fé. "" .

Motivos para o veto, segundo parecer do Ministério da Justiça:

1 - Fere a Constituição ao determinar que os agentes públicos não respondem criminalmente, civilmente ou por atos de improbidade administrativa pelas medidas excepcionais adotadas, impedindo a fiscalização e responsabilização do agente público pela prática de atos contrários aos interesses públicos ou, até mesmo, criminosos. O art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, impede a exclusão, da apreciação do Poder Judiciário, de lesão ou ameaça a direito.

2 - Restringe os casos de responsabilização civil e administrativa apenas nos casos de dolo ou comprovada má-fé. Fere o art. 37, ?6º, da Constituição Federal. Se a Constituição Federal admite que o agente público responda pelos danos causados a terceiros ao agir com dolo e culpa, a legislação infraconstitucional não poderia restringir tal responsabilidade aos casos de dolo e má-fé, excluindo, assim, a culpa.

3 - Beneficia coautores ao dizer que o agente não cometeu nenhum crime, que não há ilícito penal. Se o fato praticado não é crime e seu o autor não responde por ele, tal regra é extensiva aos coautores, que também não podem cometer um crime que não existe. Consequentemente, o disposto na emenda pode beneficiar não só os agentes públicos como os demais coautores dos crimes por eles praticados.

4 - Beneficia os agentes públicos que já foram condenados ou estão sendo processados pela execução de medidas excepcionais consideradas crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Isso porque se aplicaria o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Art. 2º do Código Penal.

5 - Trata-se de medida desnecessária, pois toda vez que o juiz verifica que realmente o réu agiu em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito deve reconhecer a excludente de ilicitude, aplicando, assim, o inciso III do artigo 23 do Código Penal.

6 - Causa insegurança jurídica ao não delimitar os crimes aos quais se refere a excludente, mas somente os agentes que se beneficiariam de sua aplicação.